|
Euclides da Cunha e o Projeto de Construção
da Nação Republicana
Rachel Ap. Bueno da Silva
Nascido na segunda metade do século XIX e tendo recebido
fortes influências do pensamento cientificista que dominava
o final desse século e início do século XX,
Euclides da Cunha destaca-se da maioria dos escritores, contemporâneos
seus, por sua postura diante da ciência e da arte, por uma
literatura chamada engajada.
Jovem e com poucos recursos financeiros, inicia seu curso de engenharia
civil na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, porém
a continuidade e conclusão será na Escola Militar,
local destinado aos oriundos das camadas mais humildes da população
que quisessem seguir a carreira militar e a engenharia.
É na Escola Militar que entra em contato com o ideário
de modernização e de participação pública,
assim como com o pensamento de mestres republicanos, como Benjamim
Constant, que exercerá grande influência em sua formação,
ajudando-o a construir a crença de que a República
é a forma mais elevada de civilização que uma
sociedade pode atingir.
Euclides e a geração que se formou no final do século
XIX encontrou na Revolução Francesa o molde para a
substituição do velho regime com suas bases principalmente
monarquista e escravocrata. E o próprio exército com
toda sua formação Positivista acreditava ser capaz
de realizar a "Revolução Francesa Brasileira",
segundo Walnice Nogueira Galvão.
Tais pensamentos ficam evidentes, quando na Escola Militar o cadete
Euclides já esboça alguns ensaios literários
colaborando com trabalhos em verso e prosa para revistas da própria
escola. Atividade que desenvolverá e o ajudará a se
manter assim que for expulso da Escola por indisciplina, na ocasião
da visita do Ministro da Guerra Tomás Coelho, em 1888, quando
o cadete joga aos pés do Ministro seu sabre, após
tentar quebrá-lo.
Após a baixa no exército, deixa o Rio de Janeiro em
direção a São Paulo e lá escreve seu
primeiro artigo para um jovem jornal republicano, fundado em 1875,
A Província de São Paulo, que depois de novembro de
1889 passa a ser chamado O Estado de São Paulo.
Com a Proclamação da República, Euclides da
Cunha é reintegrado a Escola Militar no Rio de Janeiro, inúmeras
vezes apontado e admirado pelo seu ato, que agora deixa de ser de
insubordinação para assumir a conotação
de um ato de coragem.
Terminando o curso passa a exercer a profissão de engenheiro
militar, que nesse momento representa um importante papel na construção
da nação republicana, o papel da modernização.
Junto ao nome de Euclides encontramos outros ligados a essa Cruzada
em prol da modernidade, seus contemporâneos na Escola Militar,
como Cândido Mariano da Silva Rondon, que durante muito tempo
dedicou-se à atividade de instalação de linhas
telegráficas pelo interior do Brasil, como cita a pesquisadora
Regina Abreu.
Esses jovens engenheiros, oriundos da Escola Militar, tinham por
princípio a política do mérito, contrariando
a política das elites dominantes, que era o da sociedade
de corte. Esse pensamento e essa postura serão contribuições
essenciais na construção de uma sociedade que se propõe
à modernidade.
Mesmo depois de ter retornado às fileiras do exército
Euclides escreve alguns artigos para jornais, dessa forma fazendo
um esboço de qual era sua real vocação. E em
julho de 1896 abandona definitivamente a carreira militar, passando
a dedicar-se só a sua "engenharia errante", nas
palavras do próprio Euclides e, em setembro do mesmo ano
é nomeado engenheiro ajudante de 1ª. classe da Superintendência
de Obras Públicas em São Paulo.
No ano de 1897 a Guerra de Canudos já ocupa o noticiário
dos mais importantes jornais do país e Euclides escreve dois
artigos para o jornal O Estado de São Paulo, intitulados
"A Nossa Vendéia", onde o autor relaciona o movimento
sertanejo do interior da Bahia com o movimento contra a Revolução
de 1789, que ocorreu em Vendéia, na França.
Explicações para o sucesso da resistência canudense
e sucessivos fracassos das forças do governo pairavam na
explicação dada por diferentes jornais republicanos,
de que Antônio Conselheiro recebia ajuda de monarquistas brasileiros
e até de outros países, com o claro objetivo de derrubar
a República.
Os artigos "A Nossa Vendéia" (I e II) foram publicados
respectivamente em 1897, em 14 de março e em 17 de julho
e valeram a Euclides da Cunha o convite por parte do jornal para
que atuasse numa atividade recém-inaugurada, a de correspondente
de guerra.
O futuro autor de Os Sertões parte para Canudos com a convicção
de que o movimento é um levante contra a República.
Chega a região do conflito, quando o desfecho já se
desenhava, porém não assiste ao combate final, mas
no período que lá esteve enviou, via telégrafo,
várias reportagens, entre 7 de agosto e 1º. de outubro,
onde quase sempre lia-se ao final, a saudação que
as tropas faziam aos superiores, ou quando investiam contra o arraial:
"Viva a República!" ou "A República
é imortal!".
Diferente de outros jornalistas como Manuel Benício e Favila
Nunes, Euclides não menciona em suas reportagens atrocidades
contra os prisioneiros, como a degola, ou o comércio de mulheres
e crianças que era feito pelos militares, talvez incomodado
por ter encontrado vários amigos do tempo da Escola Militar
no comando das tropas e por ter sido nomeado adido ao Estado maior
para a cobertura da guerra.
Ao entrar nos sertões Euclides toma contato com outra realidade
brasileira, a do interior, diferente do litoral e das grandes cidades
identificadas com o progresso e com uma civilização
emprestada.
Diante do palco da guerra inicia um processo de revisão de
idéias e posições daquilo tudo que sempre defendeu.
Com certeza o correspondente de guerra tem um grande choque diante
daqueles, que acreditava serem os restauradores da monarquia e,
daqueles que acreditava serem os representantes da modernidade.
Voltando do sertão e terminada a guerra, Euclides da Cunha
retoma seu trabalho como engenheiro e em 1898 é enviado à
cidade de São José do Rio Pardo, interior de São
Paulo, onde reside com a família até 1901. Sua ida
a São José teve como principal finalidade a reconstrução
de uma ponte de fundamental importância para o escoamento
da produção cafeeira do sul de Minas Gerais ao porto
de Santos , pela ferrovia e, lá se tem notícia da
confecção de parte de um livro, onde ele fala sobre
a Guerra de Canudos.
O livro que foi publicado em 1902 deveria ter tido como título
"A Nossa Vendéia", porém a Campanha de Canudos
deixava de ser o assunto principal para dar lugar a um trabalho
científico sobre o sertão brasileiro: sua população
e o meio físico em que vivia. Também o autor volta
de Canudos convencido de que lá não havia nenhum movimento
monarquista, dessa forma não mais se justifica comparar Canudos
a Vendéia.
O autor lança mão de toda formação científica
adquirida na Escola Militar para aprofundar seus estudos sobre o
Brasil e como engenheiro adentra o interior do país para
construir obras que levarão as cidades à modernização.
Reside aí seu projeto de construção da nação:
construir uma identidade nacional pelo interior, onde o estudo das
características físicas do território deve
ser o ponto de partida, seguido pelo trabalho de modernização
das cidades interioranas.
Para Euclides esse trabalho se dá através da construção
de pontes, saneamento, iluminação, redes de comunicação,
no interior, onde encontra-se a essência da nacionalidade,
Porém para um homem com as fortes influências cientificistas
do início do século XX, essa proposta deve vir acompanhada
do trabalho de incorporação da população
bárbara através da educação, como aponta
a pesquisadora Regina Abreu.
Em Os Sertões explicita essa idéia ao fazer referências
ao trabalho do mestre-escola, como um importante elemento transformador
do pensamento dessa população e da sua relação
com a sociedade litorânea. Para Euclides esse agente seria
capaz de integrar a população sertaneja, que encontrava-se
com três séculos de atraso, ao restante do Brasil.
O livro e a proposta de projeto de construção da nação
consagram-se juntos e encontram eco em intelectuais como Silvio
Romero, que acredita na construção da nação
baseada em valores e progressos da civilização, mas
com suas próprias alternativas, sem copiar modelos europeus.
O autor d' Os Sertões, que não fazia parte das rodas
literárias da rua do Ouvidor, vence a crítica e consagra-se
por seu próprio mérito, segundo apontam os críticos
da época, por ter conseguido a conjugação perfeita
entre ciência e arte, por ter percebido que o verdadeiro Brasil
estava no interior.
A trajetória de Euclides da Cunha deixa claro que o projeto
de construção da nação nasce a partir
de sua formação cientificista adquirida principalmente
nos anos que esteve na Escola Militar. E esse projeto de nação
está voltado para o interior do país, ou seja construir
uma identidade nacional, através da modernização
das cidades e da inclusão do mestre-escola nesse movimento.
Bibliografia
Abreu, Karla. Euclides da Cunha e a utopia republicana. Gazeta
do Rio Pardo (Suplemento Euclidiano). São José do
Rio Pardo, agosto de 1999
Abreu, Regina. O enigma de Os Sertões. Rio de Janeiro: Funarte
: Rocco, 1998.
Galvão, Walnice Nogueira. Saco de Gatos. São Paulo:
Duas Cidades,1976.
________________________. Gatos de Outros Sacos. São Paulo:
Brasiliense,1981.
Leite, Dante Moreira. O Caráter Nacional Brasileiro : História
de uma ideologia. São Paulo: Pioneira Editora, 1983.
Santana, José Carlos Barreto de. Ciência e Arte: Euclides
da Cunha e as Ciências Naturais. São Paulo: Hucitec
– Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana,
2001.
Sevcenko, Nicolau. Literatura como missão: tensões
sociais e criação cultural na Primeira República.
2.ed. São Paulo: Brasiliense.
Ventura, Roberto. O Remorso de Euclides. Folha de São Paulo
(Caderno Mais!). São Paulo, 21 de setembro de 1997.
Profª. Rachel Ap. Bueno da Silva - Campinas -SP - Maio / 2003.
|