O ENIGMA DE "OS SERTÕES"

De como e porque o livro de Euclides da Cunha foi eleito o número um do Brasil

Regina Abreu

Como e por que Os Sertões de Euclides da Cunha transformou-se no maior best-seller da virada do século ? De que forma, esse mesmo livro atravessou quase cem anos, sendo cotejado por intelectuais dos mais diferentes matizes como o maior clássico que já se produziu no Brasil?

A autora parte de uma enquete realizada com quinze dos mais consagrados intelectuais do pais, cujo resultado final foi a eleição de Os Sertões como a obra mais representativa da cultura brasileira de todas as épocas. Quais os motivos que fizeram desse livro, uma obra sagrada, um monumento e um símbolo nacionais?

Num primeiro movimento, autora reconstitui o panorama político e social do período imediatamente anterior e posterior ao ano de 1902, quando o livro foi lançado, analisando detidamente as críticas consagradoras de José Veríssimo, Araripe Júnior e Sílvio Romero, responsáveis pela transformação de um anônimo engenheiro no mais festejado escritor da capital federal.

Num segundo movimento e através de meticuloso trabalho de pesquisa, o livro descreve como o culto a Euclides da Cunha se estendeu até os nossos dias. A autora desvenda as estratégias de abnegado grupo de intelectuais, que se renova ao longo do tempo, no sentido de produzir e articular a difusão e perpetuação na longa duração do valor e da atualidade da obra. Congressos, seminários, filmes, livros didáticos, programas escolares, e até mesmo a inclusão de Os Sertões como leitura obrigatória para a formulação de projetos de Governo, enfim uma série de medidas concretas e encadeadas estariam garantindo a perenidade e o lugar de destaque desse clássico da literatura brasileira.

A autora demonstra o quanto a obra prima de Euclides da Cunha passou a desempenhar funções eminentemente simbólicas, ultrapassando seu valor puramente literário.

O grande clássico brasileiro chegou a ser comparado à Bíblia, tornando-se de bom tom ostentar nas bibliotecas e nas estantes das residências de todo o Brasil um exemplar do consagrado livro. Considerado grande preciosidade, Os Sertões foi investido de um valor sagrado, tornando-se citação obrigatória de vasta gama de intelectuais brasileiros, entre eles Coelho Neto, Cassiano Ricardo e Gilberto Freyre.

Fazendo uso de instrumental eminentemente antropológico, Regina Abreu demonstra como a obra prima de Euclides da Cunha serviu a diferentes interesses ao longo desses quase cem anos de existência. Polêmico, enigmático, contundente, Os Sertões permanece como um grande clássico, um livro com a rara qualidade de possibilitar uma aproximação plural e múltiplas leituras. Mais do que procurar apreender o significado interno à obra, o que a antropologia nos propõe é uma reflexão sobre essas leituras diversificadas que se originaram a partir da obra. Por meio delas é possível perceber a constituição de um pensamento sobre o Brasil. A análise do impacto provocado por Os Sertões no pensamento social brasileiro é utilizado pela autora como artificio para pensar o Brasil. Segundo ela, a análise dos chamados grandes momentos" da história de um pais ou da humanidade, quando um indivíduo singular descobre ou inventa algo considerado absolutamente novo e revolucionário, é útil para entendermos um pouco mais sobre a sociedade onde eles ocorrem. Tanto as invenções quanto os indivíduos que as produzem são partes intrínsecas dos contextos sociais onde nascem. Nessa direção, o propósito de Regina Abreu é dialogar e dar um passo adiante na antiga indagação antropológica lançada por Roberto da Matta: - Afinal, o que faz o Brasil, Brasil? Ler O Enigma de "Os Sertões" pode ser uma boa pista...

Do jornal Rocco News, ano 11, nº 7, março de 1998

Notas de leitura sobre "O Enigma de Os Sertões"

O trabalho de Regina Maria do Rego Monteiro de Abreu está simplesmente primoroso. Tese de Doutorado defendida com o brilhantismo que lhe é peculiar no Museu Nacional (Rio de Janeiro) é obra de referência obrigatória a todos quantos se interessam pela temática desenvolvida por Euclides da Cunha em "Os Sertões", mas principalmente por aqueles que, como eu, anseiam por familiarizar-se com o que seja o movimento euclidiano.

Tendo as matrizes intelectuais, os aportes, enfim, advindos de Pierre Bourdieu, Tzvetan Todorov, Mircea Eliade, Louis Dumont, Michel Foucault e Gilberto Freire dentre outros, a Autora esmerou-se em buscar as causas que levam um trabalho como o de Euclides da Cunha a tornar-se referência obrigatória quando se faz menção à cultura brasileira em geral.

Muito se disse acerca de autores que fundam correntes filosóficas novas, independentemente de ser este o seu propósito. Neste sentido, falar em Euclides da Cunha e "Os Sertões", guardadas todas as proporções, é equivalente a falar em Marx e "O Capital" ou Augusto Comte e o "Curso de Filosofia Positiva".

Assim como o autor alemão e o francês fundaram correntes filosóficas com seguidores entusiásticos por décadas a fio, o mesmo faz Euclides da Cunha, com um detalhe a mais - e detalhe importantíssimo! - sua obra é mesmo, como o prova a Regina no capítulo 9 de seu trabalho, "um clássico para pensar o Brasil". Vivendo no período mais empolgante de transformações históricas no Brasil da virada do século passado, Euclides funda, cria uma nova matriz a partir de aportes de muitos autores que consultou longamente. Caso se queira conhecer o Brasil e os brasileiros é fundamental ler Euclides da Cunha antes de qualquer outro Autor.

Assim como os "pais fundadores" da sociedade norte-americana merecem cultos cívicos em sua pátria, o cantagalense engenheiro e escritor Euclides da Cunha merece dos brasileiros o mesmo tratamento, figura nodal à compreensão da realidade brasileira. E o principal movimento neste sentido, existente no Brasil sem solução de continuidade desde 1912 é a Semana Euclidiana de São José do Rio Pardo.

À revelia de sua vontade, como está expresso no capítulo 8 de "O Enigma de Os Sertões", Euclides deixa, inicialmente no Rio de Janeiro, a seguir em São José do Rio Pardo, uma tradição muito bem estruturada no que concerne à manutenção dos valores cívico-culturais brasileiros.

A genialidade da Autora consiste fundamentalmente em adotar uma perspectiva antropológica ao desenvolvimento do movimento euclidiano, fazendo com que o leitor seja levado a uma transformação palingenésica. Assim como a leitura de "Os Sertões" conduz a uma visão clara dos problemas brasileiros do período inicial da república, fazendo-nos compreender melhor aqueles que até hoje nos assolam, a leitura de "O Enigma de Os Sertões", de Regina Abreu, suscita transformações palingenésicas àquele que da obra se aproxima, do que sou testemunha ontológica, aliás.

Lázaro Curvêlo Chaves
Diretor da Casa de Cultura Euclides da Cunha

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