A GUERRA COMO PAINEL E COMO ESPETÁCULO: A HISTÓRIA ENCENADA EM OS SERTÕES

BERTHOLD ZILLY

Professor da Universidade de Berlim

zilly@zedat.fu-berlin

 

SEMANA EUCLIDIANA- 9 a 15 de Agosto de 199

História, Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. V (suplemento), julho de 1998.


Entre a ciência e a literatura

 

É geralmente aceita a tese de que, não fosse o livro de Euclides da Cunha, a guerra de Canudos teria sido esquecida pelo grande público, como tantos outros movimentos, guerras, revoltas, quilombos, greves, quase sempre caracterizados pelo massacre dos humildes. Basta uma rápida comparação com a Balaiada, a guerra do Paraguai, os Mucker, a revolta da Vacina, o Contestado, o Caldeirão etc. E o centenário da guerra no sertão parece ter comprovado, de sobra, essa tese. Explico. Apesar das diversas pesquisas de José Calasans sobre o 'Canudos não euclidiano', e apesar das críticas, em grande parte procedentes, a Euclides da Cunha - à parcialidade de seu depoimento, à falta de tratamento profissional das fontes que usou e ao caráter datado ou contraditório de muitas de suas avaliações -, raramente se fala sobre a guerra de Canudos sem se mencionar o escritor e seu livro1 . Se a representação de Canudos como evento-chave da história brasileira se deve, em grande parte, a Euclides, este, por sua vez, virou mito também, como explicador, intérprete, preceptor do Brasil, de modo que temos aí dois mitos complementares, quase simbióticos, alimentados pelo mesmo fascínio do heroísmo fracassado.

A incorporação de Os sertões aos cânones da literatura nacional e universal2 se deve relativamente pouco a seu valor documental ou historiográfico. O autor não passou muito tempo no próprio campo de batalha: menos de três semanas numa guerra que durou onze meses e cujos antecedentes remontam a décadas, se não séculos. Além disso, no tratamento das fontes, Euclides tem um procedimento em geral pouco digno de um historiador. Algumas vezes é até leviano ou irresponsável. Pensemos, por exemplo, naquilo que diz sobre as prédicas do Conselheiro, que comenta obviamente sem as ter lido, como se seguisse o lema tácito de certos críticos literários: "não li, nem gostei".3 Quase todas as informações factuais e muitas de suas avaliações e reflexões encontram-se em outros autores, de modo que se pode dizer, sem exagerar demais, que, inexistindo o livro de Euclides, saberíamos as mesmas coisas sobre a guerra de Canudos. Nada perderíamos em termos de fatos, e muito pouco em termos de hipóteses e conclusões, algumas das quais perfeitamente dispensáveis. Ele não foi o primeiro a escrever um livro sobre Canudos. De certa forma, o autor de Os sertões foi uma das últimas testemunhas oculares que escreveram sobre o que presenciaram (Matos Martins, 1997, pp. XI-XVII [a 1ª ed. é de 1898]; Sampaio Neto et alii, 1986, pp. 259-423) de modo que sua originalidade dificilmente consistiria na apresentação de novos fatos, mas tampouco consiste na inserção da guerra no arcabouço das teorias evolucionistas sobre as interações entre raça e civilização, seguindo, como anuncia programaticamente na nota preliminar, a visão que Gumplowicz tem da história como luta de raças, e apoiando-se amplamente nas teses de Nina Rodrigues (Hermann, 1996, pp. 126-50).

O que explica, então, o extraordinário êxito de Os sertões junto ao público letrado, à opinião pública, aos críticos literários e aos próprios historiadores que, durante décadas, deixaram de empreender pesquisas de maior vulto sobre Canudos, uma vez que Euclides teria escrito o livro definitivo sobre o assunto? Talvez um dos motivos seja, justamente, o caráter abrangente da obra, que pode ser encarada como summa. Outro é sua indefinição, ou melhor, a multiplicidade de gêneros literários que condensa, sua capacidade de congregar as mais variadas informações, atitudes, formas de enunciação - relatos, poemas, pichações de paredes, artigos e livros sobre a guerra -, incorporando, portanto, vários tipos de texto: crônica, lenda, depoimento, diário, tratado geográfico, etnográfico e historiográfico, formas populares simples (Jolles, 1976) e ainda romance, ensaio, discurso forense e político, oração fúnebre, tudo amalgamado num estilo relativamente coeso, próprio, inconfundível. O livro reúne as três formas básicas da literatura - a epopéia, o drama e a lírica -, como têm apontado muitos críticos, enfatizando principalmente os traços de epopéia e tragédia. A versificação embutida em Os sertões foi objeto de estudo recente de Augusto e Haroldo de Campos.4 Enfim, trata-se de um livro-síntese de temas, pontos de vista, métodos de pesquisa e ideologias, quase uma enciclopédia do sertão, que 'digere' todo tipo de texto anterior sobre o assunto, obra polissêmica, por isso mesmo sugestiva, instigadora da imaginação do leitor, que se sente convidado pelo sem-número de reticências a continuar o trabalho do autor. Este expõe com a maior clareza a sua falta de clareza, radicaliza suas hesitações e contradições, exacerba os paradoxos.5 Os sertões são muitos livros em um só.

Almejando o ideal do "consórcio da ciência e da arte",6 uma alternância de ciência literarizada e literatura escrita com certo rigor científico, Euclides da Cunha lança mão de métodos e recursos não científicos para conhecer e representar o caráter paradoxal da guerra, avesso às interpretações racionais e coerentes, e a originalidade do sertão, no fundo imperscrutável, algo que não cabe nas categorias dos maiores pensadores, como Hegel ou Humboldt. Entenda-se por ciência toda procura, combinação e apresentação sistemática e metódica de conhecimentos, verificáveis por outros especialistas, inclusive nas ciências sociais. A literariedade ora abandona ora atenua a sistematização, o procedimento metódico, a verificabilidade, dando vazão à subjetividade, ao exagero, à fantasia, contidos e controlados, porém, pela busca quase fanática da verdade.7

As contínuas incursões na literatura não são apenas uma questão de gosto estético, mas também uma postura intelectual. A estrita preponderância da função referencial obrigaria o autor à objetividade, à sobriedade, à pesquisa sistemática e paciente das fontes históricas e, sobretudo, à coerência intelectual, isto é, à adoção de um ponto de vista relativamente fixo, o que excluiria visões contraditórias, a empatia com os 'jagunços', o registro de fenômenos sobrenaturais, notícias falsas como aquela do assassinato da mulher e da mãe pelo Conselheiro. Excluiria, enfim, a multiplicidade de vozes e perspectivas. A coerência intelectual e ideológica, indispensável em um livro didático ou acadêmico, é substituída pela coerência estética e estilística. A arte não apenas ajuda a captar melhor a complexa realidade do sertão, como também sugere melhor ao leitor as visões contraditórias que dela tem o autor.


A retórica a serviço da representação pictórica e teatral


Euclides, para atingir o máximo de sugestividade, faz empréstimos a outras artes, principalmente à pintura e ao teatro, criando uma espécie de Gesamtkunstwerk, uma obra de arte totalizadora, intersemiótica, ainda que construída apenas com palavras escritas na intenção de alcançarem elas uma literatura cientifizada e uma ciência literarizada, ambas com a visualidade e a concretude das artes plásticas e cênicas. Em vez de descrever e narrar 'diretamente' situações e eventos, ele faz uma suposta reprodução verbal de obras plásticas e cênicas representando tais situações e eventos. Euclides encena a história como se nos apresentasse uma peça de teatro ou nos guiasse por uma exposição.8 O teatro é uma das artes mais abrangentes, mais sensoriais, de maior impacto sobre a mente humana, sobre a emoção e o intelecto, de modo que não surpreende que Euclides, apesar de seu pendor cientificista, vez por outra tenha sido tachado de barroquizante, já que o barroco praticou abundantemente a mistura de artes e gêneros literários, a visualização pela linguagem, com grande predileção pela teatralidade (Bosse e Stoll, 1997; Curtius, 1969, pp. 148-54). A tarefa do historiador poético consiste menos em pesquisar detalhes factuais e sua conexão causal, como seria de se esperar de um intelectual positivista, do que em (re)construir situações e peripécias decisivas ou típicas, elucidativas, memoráveis.9

Para não deixar nenhuma dúvida a respeito dessas intenções pictórico-teatrais, Euclides (1985) usa e abusa de metáforas das artes plásticas e cênicas.10 Claro que muitas são de uso corrente, portanto um pouco gastas, empalidecidas, mas sua extraordinária acumulação evidencia a intenção do autor de tornar visíveis e, em menor grau, audíveis e palpáveis, os fatos relatados, embora pudesse pictorizá-los e teatralizá-los sem essas metáforas, o que realmente faz em vários trechos.

O caráter intensamente retórico de Os sertões, sua oralidade erudita, sofisticada, altissonante talvez não seja exatamente um traço barroco. A retórica é uma técnica verbal, de caráter pragmático e poético, proveniente da Antigüidade, mas foi no barroco que recebeu configuração especial, requinte e grandiosidade. Influiu muito nas letras portuguesas e brasileiras, estimulando a tendência ao exagero, às hipérboles, à redundância, ao hermetismo, à sobrecarga de alusões e conotações, à sinonímia rica, ao excesso de epítetos ornamentais, à festa verbal, características estas que são a antítese da sobriedade, objetividade, clareza denotativa da linguagem científica (Brandão, 1988, pp. 213-26). Na prosa euclidiana, ecoam o fausto, a pompa, a solenidade das prédicas de um Antônio Vieira. Mas ela seculariza e racionaliza estes atributos, aproximando-se mais dos discursos científico, político, ético e judicial. Se há retórica, há também paródia de retórica na prosa de Euclides, principalmente da retórica belicista do governo, do exército e da imprensa, máquinas propagandísticas ridículas porém eficientes (ver Cunha, 1985, pp. 291-292).

A irresistível capacidade de evocar e presentificar o passado teatralmente é usada pelo autor com o objetivo de preparar o intelecto do leitor para uma recepção extremamente sensorial, visual, acústica e emocional daqueles quadros lancinantes de que dificilmente consegue se livrar. Pois Euclides não quer apenas ser lido. Quer induzir o leitor a determinado tipo de leitura, quer garantir que a sua mensagem seja percebida 'corretamente'.11

Um dos primeiros resenhistas da tradução alemã de Os sertões chamou-o de "Heródoto da hinterlândia" (Zickgraf, 1994). A princípio, fiquei intrigado. Euclides nunca fez alusão a Heródoto, que eu saiba. Depois, essa fórmula poderia ser entendida como restrição a sua universalidade, o que certamente não foi a intenção do crítico. Lembrei-me, então, do que Walter Benjamin disse a propósito de Heródoto no famoso ensaio sobre Leskov, 'O contador de histórias'. Diferentemente daqueles que mergulham na história da terra natal, o escritor grego pertenceria à tradição dos que têm algo a contar por haverem viajado muito, acumulando experiências em terras longínquas dignas de serem comunicadas aos conterrâneos. E o forte de Heródoto é, justamente, a narração cênica, com muitas elipses, enigmas, anedotas, boatos, lendas e mitos. Integra vozes alheias sem passá-las necessariamente pelo crivo da verificação crítica, diferentemente de Tucídides, este sim citado por Euclides nas notas à 2ª edição (Cunha, 1985, p. 584). Como Heródoto, Euclides abre mão de uma posição firme e coerente, admitindo tendencialmente diversas versões do acontecido, narrativas subjetivas ou fantasiosas da história. Segue um pouco aquela lição que João Ubaldo Ribeiro resumiu assim: "O segredo da Verdade é o seguinte: não existem fatos, só existem histórias" (Ribeiro, 1984, p. 6). Paradoxalmente, Euclides não abre mão da busca da Verdade e da História com 'h' maiúsculo, história una apesar de seus meandros e contradições, evocada e encenada pela magia da palavra que (re)cria telas, desenhos, fotografias, cenas teatrais, reais ou imaginadas.

Num trecho programático (idem, p. 177, linha 580), depois de um "parêntese" de cunho evolucionista, socialdarwinista e racista, o autor "de chofre" (ele adorava essas expressões arcaicas) interrompe o discurso que hoje não mais consideramos científico. Insatisfeito com aquele "divagar pouco atraente", propõe: "Prossigamos considerando diretamente a figura original dos nossos patrícios retardatários. Isto sem método, despretensiosamente, evitando os garbosos neologismos etnológicos."

Sem método! Esse pouco caso que de repente faz da ciência pode ser lido, também, como autocrítica: "Sejamos simples copistas" - continua. "Reproduzamos, intactas, todas as impressões, verdadeiras ou ilusórias, que tivemos quando, de repente, acompanhando a celeridade de uma marcha militar, demos de frente, numa volta do sertão, com aqueles desconhecidos singulares que ali estão abandonados - há três séculos."

"Impressões, verdadeiras ou ilusórias", dignas mais de um pintor ou romancista finissecular do que de um cientista, um historiador escrupuloso preocupado com fatos. Tal esboço de procedimento estético, que relega as pretensões científicas a segundo plano, tem localização estratégica no livro. Finaliza o subcapítulo sobre a evolução étnica da população sertaneja, relativizando seus raciocínios centrais, e preludia trecho antológico do livro, a parte III do 2o capítulo, 'O homem', cuja frase inaugural todos conhecemos: "O sertanejo é, antes de tudo, um forte." O que se segue seria a descrição de um quadro, um segmento da realidade, imaginado como desenho, pintura, escultura, que o autor, feito copista, só reproduz. Trata-se de um understatement extremado, pois, na verdade, empreende uma espécie de tradução intersemiótica, ou seja, a passagem das artes plásticas às artes poéticas. De qualquer forma, o cronista-cientista capitula diante do pintor-encenador-escritor, tendência assinalada por Gilberto Freyre já nas reportagens que Euclides escreveu de Canudos para o Estado de S. Paulo: "Porque, mesmo nestas notas de repórter, ele se mostra o escritor que procura fazer parar as figuras nos seus momentos artística, ou melhor, esculturalmente mais expressivos e, também, mais dramáticos, para os descrever parados e em plena pompa de suas linhas" (Freyre, 1939, p. XVII).

Euclides volta e meia pára e sustém, provisóriamente, o fluxo da história, subdividindo-o em situações apresentadas como quadros imóveis e, na medida em que estes se movem, como cenas, quase movies. As imagens estáticas predominam nos dois primeiros capítulos mais descritivos, 'A terra' e 'O homem'. A partir de 'A luta', quando a dramaticidade vai se intensificando, tornam-se mais dinâmicas, mais teatrais. Mesmo estáticos, os quadros são dramáticos. As cenas movimentadas, no entanto, sempre têm algo de pictórico ou de estatuário, até o fim do livro. Dessa simultaneidade de paralisação e dinamismo, resultam oxímoros, por exemplo no episódio do jagunço negro levado para a degola (Cunha, 1985, p. 536): "Daquele arcabouço denegrido e repugnante, mal soerguido nas longas pernas murchas, despontaram, repentinamente, linhas admiráveis - terrivelmente esculturais - de uma plástica estupenda. Um primor de estatuária modelado em lama." A predileção de Euclides pela estatuária é característica da cultura finissecular, como mostra o crítico suíço Jean Starobinsky. Falar em traços pictoriais em um texto dramático pode parecer contraditório, já que a pintura significa estagnação e o drama, movimento. As duas tendências se combinam melhor na epopéia, que intercala na narração de eventos sucessivos longas descrições de quadros e imagens, como a Ilíada, por exemplo, na famosa descrição do escudo de Aquiles. Não é por acaso que a obra Os sertões freqüentemente é chamada de epopéia. Epopéia sem a tradicional tranqüilidade narrativa, ao contrário, nervosa, com os movimentos flagrados em quadros de uma imobilidade tensa, dinâmica, explosiva, nas contorções, por exemplo, da "natureza morta", expressão de duplo sentido evidente.

Parece-me que o pendor à pictoricidade não é apenas um recurso literário individual e, ao mesmo tempo, típico da virada de século, tanto no naturalismo como no parnasianismo. E não é tampouco só um recurso retórico para seduzir os ânimos dos ouvintes. Tem algo a ver, também, com a postura científica do autor e da época. Na ciência, costuma-se isolar fragmentos de um todo, situações momentâneas, desacelerando-se e até interrompendo-se movimentos, acelerando-se outros, diminuindo-se ou amplificando-se partes da realidade ao se estudar vibrações, ondas, sons, transformações, processos de vários tipos, às vezes complexos ou imperceptíveis ou inaudíveis, rápidos ou lentos, do átomo às galáxias. O médico bate chapas, o físico produz oscilogramas, o biólogo, figuras ou modelos tridimensionais, todos fotografam ou filmam, preferencialmente com câmera lenta ou acelerada. No videoteipe, pode-se até 'congelar' o filme para se estudar a imagem parada. Há alguma afinidade entre a morte e a pesquisa científica, já que para certos exames ou representações, o pesquisador espera a morte do ser vivo, como faz o anatomista, ou o mata, como faz o entomologista ou ainda o botânico, que arranca plantas e as desseca em seu herbário para as estudar e desenhar. Ou até se faz uma vivisecção. Cientistas e desenhistas retratam a realidade de modo minucioso ou abstrato, procurando captar e realçar aqueles traços essenciais, fixando ou compondo imagens elucidativas que, de outro modo, escapariam à percepção humana. O "consórcio da ciência e da arte", com fins cognitivos e persuasivos, inclui o consórcio da ciência com a pintura e o teatro, transfigurados, porém, "traduzidos" em literatura em Os sertões.

É um teatro encenado por um historiador poético, com postura de professor, advogado, acusador perante o tribunal da civilização e da posteridade. Em última análise, sua retórica evocadora de quadros e cenas visa emocionar o público constituído pelos letrados do Brasil e do mundo, sentados, por assim dizer, num vasto anfiteatro ao redor do autor que declama em voz alta a sua mensagem. Ele quer dizer que a arte está a serviço da busca da verdade histórica e da ética política: a construção de uma nação civilizada, com direito à vida e cidadania para todos, e a condenação, ao menos moral, dos assassinos governamentais e seus cúmplices, inclusive a indústria bélica européia.


Um drama em cinco atos


Vejamos a composição do livro como um todo, sua macroestrutura. Na edição da Aguilar, organizada por Afrânio Coutinho, em 1966, as personagens históricas são apresentadas como dramatis personae.12 E, realmente, o livro, de certo modo, é construído como um drama em cinco atos, nos quais os oito capítulos se encaixam da seguinte maneira:13


A terra, O homem, A luta:        I ato

Travessia do Cambaio:          II ato

Expedição Moreira César:      III ato

Quarta expedição:           IV ato

Nova fase da luta, últimos dias: V ato


O primeiro ato apresenta o "teatro da guerra", metáfora corriqueira na época, os personagens e o início do conflito que motivam, porém ainda afastado do arraial, em Uauá. Termina com a significativa frase: "Estava pronto o cenário para um emocionante drama da nossa história" (Cunha, 1985, p. 284). Na primeira parte deste ato, a própria terra se impõe como cenógrafa, preparando o palco para os homens, índios, bandeirantes, jesuítas, vaqueiros, canudenses e soldados. Volta e meia intervém na ação, ajudando os sertanejos, através do clima, da fauna e flora, das barreiras montanhosas que fornecem fortalezas e bastiões. Se a história natural opera como cenógrafa, as funções de diretor de teatro ficam com a história humana, porém narrada às vezes sob a forma de imagens da natureza, correntes de água, grupos de animais, organismos vegetais, ou deuses pré-olímpicos, titãs e anteus, ligados à terra. As viagens que o narrador faz dão origem a uma série de quadros e cenas que o "viandante" contempla preferencialmente de duas tribunas elevadas, quase camarotes de teatro: o alto da serra de Monte Santo e o morro da Favela, estratégico na história da guerra. Mais para o fim aparece outro miradouro, o morro sem nome onde se instala o quartel-general, a leste de Canudos.

O autor dificulta o seu próprio esforço encenador ao apresentar o principal protagonista humano, o sertanejo, contrastando-o com o gaúcho, como tipo pouco vistoso, festivo, heróico. Empreende, portanto, a teatralização de um tipo antiteatral. Aparentemente, a guerra nada tem de grandioso, sublime ou heróico. É o assalto de militares ineptos e criminosos contra caboclos retardatários e fanáticos, um "matadouro" que deveria ser desprezado pela história, pois carece "das gloriosas chacinas das batalhas clássicas", da "selvatiqueza épica das grandes invasões" (idem, p. 538).14 Mas graças à força evocadora da oratória euclidiana, a "Campanha de Canudos", que nem é chamada de guerra no subtítulo do livro, entra, sim, na história, encenada como grande tragédia, e o não-herói, o sertanejo, vai se revelando, com sua resistência sobre-humana, como o único herói, numa transfiguração quase milagrosa, de apoteose.

O segundo ato apresenta-nos, com crescente tensão dramática, a primeira batalha séria travada contra a expedição Febrônio de Brito. É uma pequena peça de teatro em si, como todos os 'atos' da tragédia. Termina, porém, em farsa: "Os lutadores embaixo seguiam como atores infelizes no epílogo de um drama mal representado. Toda a agitação de dois dias sucessivos de combates e provações tinha o repentino desfecho de uma arruaça sinistra" (ibidem, p. 312).

De vez em quando, Euclides atribui aos próprios partidos beligerantes intenções teatrais, um comportamento de espectadores ou até de encenadores. Assim, nos primeiros atos, os sertanejos vaiam os soldados, e são estes que vaiam os sertanejos, no último. No epílogo deste segundo ato, aparecem só os sertanejos, vencedores piedosos, carregando os companheiros mortos para casa.

O terceiro já apresenta um grande clímax, a catástrofe da expedição Moreira César, que se desenrola, também, como drama em si, com exposição, colisões, retardamentos, subperipécias, peripécia e desenlace, mais uma vez vergonhoso para o exército. Tanto este como o inimigo tendem, desde o início, a uma visão teatral da campanha, considerando o primeiro embate cena promissora, ilusão que é ironizada pelo narrador através do discurso indireto livre: "Foi uma diversão gloriosa e rápida. O inimigo furtara-se ao recontro. Volvidos minutos, a ala tornou à linha da coluna entre aclamações, enquanto o antigo toque de 'trindades' era agora o sinal da vitória, soava em vibrações altíssimas. O comandante-em-chefe abraçou, num lance de alegria sincera, o oficial feliz que dera aquele repelão valente no antagonista, e considerou auspicioso o encontro. Era quase para lastimar tanto aparelho bélico, tanta gente, tão luxuosa encenação em campanha destinada a liquidar-se com meia dúzia de disparos" (idem, ibidem, p. 345).

Mas o desfecho foi uma desilusão para a tropa: "...toda a população de Canudos contemplava aquela cena dando ao trágico do lance a nota galhofeira e irritante de milhares de assovios estridentes, longos, implacáveis... Mais uma vez o drama temeroso da guerra sertaneja tinha o desenlace de uma pateada lúgubre" (idem, ibidem, p. 363).

A derrota do exército é uma tragédia, à qual os jagunços reagem como se fosse outra vez uma farsa. Euclides descreve a partida da tropa de Canudos como se desse instruções a um cameraman: "O desfecho foi rápido. A última divisão de artilharia replicou por momentos e depois, por sua vez, abalou vagarosamente, pelo declive do espigão acima, retirando. Era tarde. Adiante até aonde alcançava o olhar, a expedição, esparsa e estendida pelos caminhos, estava, de ponta a ponta, flanqueada pelos jagunços..." (idem, ibidem, p. 363).

Seu fictício ponto de vista não se acha, como de ordinário, do lado do exército, mas do lado dos sertanejos que vêem a tropa em fuga. E, sendo esse ato, no fundo, outro drama, ele tem, como todo drama completo, um epílogo: a decoração teatral do caminho de fuga, uma via crucis onde os conselheiristas expõem de modo blasfêmico e infernal os soldados caídos, um anticemitério destinado a servir de espantalho para futuras expedições que não tardarão em aparecer. Citemos o ponto alto desse preparo teatral:

 

... Um pormenor doloroso completou esta encenação cruel: a uma banda avultava, empalado, erguido num galho seco, de angico, o corpo do coronel Tamarindo. Era assombroso... Como um manequim terrivelmente lúgubre, o cadáver desaprumado, braços e pernas pendidos, oscilando à feição do vento no galho flexível e vergado, aparecia nos ermos feito uma visão demoníaca ...(idem, ibidem, p. 368).

 

Segue o quarto ato, decisivo, prefigurando mas sem trazer ainda a decisão final, pois termina com o fracasso parcial do grande assalto de 18 de julho, narrado no quinto subcapítulo, central, importantíssimo, o mais longo do livro todo e o único com título dado pelo próprio Euclides: 'O assalto'. Na exposição desse pequeno drama, o próprio exército pratica um ato teatral: comemora com uma salva o 14 de julho, dia do assalto à Bastilha, antecipando precocemente a comemoração da vitória, tida como certa. Ao chegar ao fim da exposição, na p. 446: "Toda 1ª coluna penetrava, reunida, a arena do combate." Depois de muitos percalços, idas e vindas, novo revés da tropa, equivalendo, desta vez, não à uma vitória dos canudenses mas a continuação do empate existente desde fins de junho, com a frente de combate imóvel por mais de três meses ao todo, até fins de setembro, uma guerra de trincheiras parecida com a de Verdun, vinte anos mais tarde. A batalha de 18 de julho, prenunciada na primeira parte, quando o autor se refere aos "higrômetros singulares", - o soldado e o cavalo mumificados, na p. 112 -, em vez de trazer a decisão final, funciona como o clássico retardamento dramático. A semiderrota do exército é encenada como vitória pelo comandante-em-chefe, através do telégrafo, perante os olhos da nação, mistificação desfeita pela ironia sarcástica do autor.

O quinto ato, abrangendo os capítulos 'Nova fase da luta' e 'Últimos dias', apresenta ação menos heróica e mais metódica do lado do exército, afigurando-se aí, como os verdadeiros heróis das tropas legais, os comboios de burros comandados pelo próprio ministro da Guerra. A atuação mais lancinante e heróica é a dos sertanejos no desenlace definitivo do drama, que é, porém, retardado por muitos avanços e recuos. Enfim, a relação entre vaiadores e vaiados inverte-se na p. 505, na cena em que caem por terra as torres da igreja nova, símbolos e baluartes da combatividade e resistência dos sertanejos.


A batalha como ficção real e a ambigüidade do espectador-narrador


A cena talvez mais 'espetacular' é a do "complemento do assédio", no dia 24 de setembro de 1897.15 Narrada por meio de metáforas teatrais, que vão se tornando denominações próprias, é vista como espetáculo não só pelo autor como até pelos próprios protagonistas. Trata-se, portanto, de um drama não apenas metafórico, mas de certa forma real, que expressa exemplarmente a tendência euclidiana de apresentar a história como peça de teatro. O evento-tema, a batalha que resulta no fechamento do sítio de Canudos, começa na p. 523, linha 82; sendo narrada "epicamente", de modo plástico e ilustrativo, é verdade, mas não exatamente como peça de teatro, até a linha 141, na p. 524. A partir daí, porém, até a linha 202, p. 526, o narrador relata a batalha como "ato de tragédia" (p. 525, linha 154), enfocando também a parcela temporariamente ociosa do exército que, do acampamento, perto do comandante-em-chefe, com ótima vista para o arraial todo, observa o combate como se estivesse no teatro.16 A cena é seguida de uma espécie de epílogo, até a linha 218, em que Euclides resume os resultados da "refrega", dá detalhes do fechamento do cerco e apresenta o balanço final: "A insurreição estava morta" - é a última frase dramática do penúltimo capítulo de Os sertões.

Trata-se de um combate vivenciado não só pelo narrador, mas pelo próprio autor que estava em Canudos naquela data. No entanto, ele não se identifica, não aparece na primeira pessoa do singular ou do plural, como em certas passagens do livro. Nesse episódio, inverte-se a correlação de forças observada nas três primeiras expedições. Ante a vitória iminente, a guerra apresenta-se aos soldados sob aspectos lúdicos. Metade da tropa transforma-se em público e passa a torcer pela vitória da outra metade, vendo a guerra quase como divertimento, jogo esportivo, passatempo.

Nesta cena podemos observar, mais uma vez, a imbricação entre pictoricidade e dramaticidade. Os acontecimentos sucedem-se de forma rápida, dramática, rumo a um clímax, porém são sustidos, contidos, paralisados para poderem ser descritos como quadros. Essa modalidade descritiva na narração de uma seqüência de fatos se manifesta no uso sistemático do imperfeito como tempo gramatical do passado, em vez do pretérito perfeito, como seria de se esperar no relato de um drama. Além de expressar a repetitividade e rotina das situações de combate, o imperfeito desacelera os eventos e permite um olhar contemplativo para a realidade, um olhar paciente, minucioso, preocupado com detalhes. Esse tempo verbal traduz, também, certo envolvimento emocional do sujeito falante, gestos explicativos, dêiticos, que convidam o leitor a acompanhar os acontecimentos tintim por tintim, desenrolando-se o filme dos acontecimentos diante deles, em câmara lenta. Por vezes, o uso do imperfeito parece estranho, contrário à dramaticidade dos fatos, um oxímoro sintático, por assim dizer, como nas linhas 154-159: "Diante dos espectadores estendia-se, lisa e pardacenta, a imprimadura, sem relevos, do fumo. Recortava-a, rubro e sem brilhos - uma chapa circular em brasa - um sol bruxuleante, de eclipse. Rompia-a, porém, de súbito, uma lufada rija."

"Rompia-a, porém, de súbito..." é uma combinação curiosa de um advérbio que expressa rapidez e surpresa com um tempo gramatical que enfatiza o caráter estagnado ou vagarosamente processual de uma situação, evocando a simultaneidade entre o desenrolar da cena e a observão dela pelo espectador-narrador. Igualmente estranha é a expressão "lufada rija", um verdadeiro oxímoro, já que lufada denota um processo dinâmico, ao passo que rijo caracteriza situação estática, fixa. Também se pode dizer que "lufada" representa o elemento dramático e "rija", o elemento pictorial.

Esta cena é um resumo da guerra toda. Encurralados, bombardeados pela artilharia ao Sul e a Leste e combatidos pela infantaria, que investe do lado norte, os sertanejos, derrotados quase, morrendo, lutam como leões contra o agressor que tem o país todo, se não o mundo todo como aliados. A vitória neste combate decisivo prenuncia a vitória final do exército. A Leste do arraial, os soldados-espectadores comportam-se como espectadores de uma cena de teatro, uma luta de boxe, com mocinhos e vilões claramente separados. Consideram a batalha real como "ficção estupenda", uma realidade encenada e percebida como não-real, sem levar a sério as vítimas. E no fim do combate, no fechamento do cerco, os próprios combatentes - os soldados que se achavam no palco - passam a se comportar como espectadores, aclamando a si mesmos. O ressoar de seus "brados e vivas" (p. 526) logo se funde com o dos companheiros nos "camarotes".

Essas exclamações, não citadas literalmente, são as únicas palavras, rudimentares, que se pode ouvir. Pois é mudo esse espetáculo que se desenrola debaixo do comandante-em-chefe, dos oficiais e dos soldados não combatentes, entre os quais o "narrador sincero". Não se ouvem diálogos, como normalmente ocorre no teatro, porque não há e nunca houve diálogo, comunicação, negociação entre o exército e a comunidade de Canudos. Só vaias e palavrões. Mas também não se ouvem as palavras trocadas pelos membros de cada partido beligerante, por causa da distância. Essa mudez realça a percepção visual da cena, excetuando-se o ruído dos canhões e fuzis, que substituem as palavras. Para o narrador, a inaudibilidade das vozes humanas facilita a estetização do combate. Os gritos de dor ou de luto, caso se ouvissem, poderiam eventualmente impor à artilharia um cessar-fogo, como já aconteceu em outra cena (p. 516).

Implicitamente, as manifestações de triunfo são reprovadas. De certa forma, falta aos soldados-espectadores competência ética e estética, pois cometem dois erros: diante desse combate real, comportam-se como se fosse uma peça de teatro e, face a essa peça, como se fosse uma farsa ou um dramalhão. O narrador e, com ele, os letrados do Brasil e, com eles, os do mundo inteiro assumem, também, a perspectiva de espectadores. São cúmplices dos soldados, desejando, com eles, a vitória do exército. Ao mesmo tempo, distanciam-se deles. Narrador e leitor são dilacerados pelo choque entre duas perspectivas e atitudes: a dos espectadores-soldados e a de espectadores críticos desses outros espectadores que estão representando um espectáculo dentro do espetáculo, desempenhando o papel escandaloso de público indigno, mal-educado, bárbaro. Euclides evoca, portanto, uma espécie de metateatro, encenando criticamente a encenação da batalha pelos soldados-espectadores. Faz-nos sentir o mesmo constrangimento que nos acometeria se, na peripécia de um drama de Sófocles, um espectador a nosso lado começasse a falar alto, a apoiar um dos partidos conflitantes, a vaiar, gargalhar, bater palmas. O que irrita tanto Euclides como nós é que seus co-espectadores não sentem, não avaliam, não entendem o que está acontecendo no palco, lá embaixo. O que está se desenrolando diante de seus olhos e dos nossos, nas ruínas fumegantes de Canudos, é um fato real que, por sua vez, é um ato de tragédia, como já apontamos. A reação desses "curiosos" não está à altura do gênero e do tema. Eles carecem de cultura, sensibilidade, consciência trágica. Não se dão conta de que lá embaixo se está destruindo "o cerne de uma nacionalidade", a "rocha viva da nossa raça" (p. 559). Não se emocionam com a desgraça de uma comunidade heróica, com o fim de um projeto social fascinante, condenado, mas ao mesmo tempo admirado, um pouco às escondidas, pelo próprio Euclides e, graças a sua capacidade de persuasão, por nós também.

O distanciamento implícito do narrador em relação aos soldados-espectadores não deixa de ser problemático. O narrador invisível e nós, leitores, somos induzidos a ver o ocaso de Canudos com um olhar teatral, e a criticar-nos por isso, justamente porque, além de horror e luto, sentimos também prazer estético, um pouco mais refinado que o dos soldados, é certo, por vir mesclado a reminiscências literárias e à culpa e compaixão pelos perdedores. Nem por isso, o narrador-espectador intervém junto a seus companheiros militares, não solta um grito de protesto, não pede para pouparem ao menos a vida das mulheres e crianças. Afinal, pertence ele, como pertencemos nós, ao mesmo partido beligerante. Essa vacilação entre a perspectiva dos espectadores-soldados e a rejeição indignada dessa perspectiva, a camaradagem com os militares e sua condenação implícita expressa a ambigüidade dos intelectuais progressistas, que costumam defender o povo emocional e verbalmente, aliando-se, na prática, às classes dirigentes, por ideologia, ambição ou necessidade profissional. O narrador não se distancia dos soldados enquanto combatentes - estes têm que lutar, matar e vencer - mas se distancia dos soldados enquanto espectadores, que não deveriam se deleitar com aquela mórbida curiosidade, não deveriam vaiar, patear, dar brados e vivas.17 Depois da luta, teriam que andar de luto, como o próprio narrador, como o autor, como os leitores, como nós. Se a matança tem de acontecer, que aconteça, acompanhada, porém, de comoção e mea-culpa, únicas atitudes dignas ante uma realidade que é uma tragédia, e que só pode ser representada como tal.

Pode-se especular sobre a função teatral das palavras do narrador, sua eloqüência diante da tragédia muda que observa e da qual faz parte. Parece-me que retoma e amplia aqui, como no livro de modo geral, o papel do coro da tragédia clássica, comentando os acontecimentos, lamentando as vítimas, acusando os vencedores, invocando os valores da nação e da civilização, clamando pelo destino, apelando para o juízo da história.

A percepção da guerra como teatro, velho recurso literário que também se encontra, se bem que em menor grau, em outros escritos da época sobre Canudos, é facilitada pelas armas de longa distância e especialmente pela artilharia, em parte situada ao lado dos espectadores, do narrador e, de certa forma, do leitor também. Portanto, sua perspectiva é muito semelhante à do artilheiro. Embora seja um combatente, este pode se dar ao luxo de contemplar o teatro da guerra com certa serenidade, pois as conseqüências de sua atuação não o afetam diretamente, sobretudo quando dispõe de superioridade total em poder de fogo. Como no caso do exército em Canudos, foi a total superioridade das armas de longa distância que permitiu aos norte-americanos, mais recentemente, transformar a guerra do Golfo em espetáculo televisado.

Outro motivo ligado à teatralização aproxima o escritor-historiador do estrategista: ambos precisam de uma visão de conjunto da multiplicidade aparentemente caótica dos acontecimentos simultâneos e sucessivos para os organizar e ordenar mentalmente no espaço e no tempo, o militar com o fim de os dirigir, o autor, de os narrar. Isso vale para Euclides da Cunha, tenente reformado, adido ao ministro da Guerra, companheiro de muitos oficiais em Canudos desde a Escola Militar. Em muitos trechos de seu livro, não pode se abster de dar palpites ulteriores aos comandantes. Em Os sertões há vários enfoques na narração de combates. Há o olhar de baixo, do participante envolvido no caos que nada entende do que está acontecendo, similar ao de Fabrice del Dongo na batalha de Waterloo, no romance La chartreuse de Parme, de Stendhal. Há também a visão aquilina do perito militar.

A batalha de 24 de setembro é dividida em três trechos, contados segundo três diferentes enfoques narrativos:


a) um, variado, mais de dentro do campo de batalha, com a perspectiva tanto dos sertanejos como dos soldados, ambos com pouca visão do conjunto, numa narrativa onisciente, ficcional, pois é claro que o autor não entrou no arraial naquele dia (Cunha, 1985, p. 523, linha 82, até p. 524, linha 141);

b) a batalha como espetáculo é abarcada de um ponto de vista fixo, de cima do morro onde fica o acampamento, a leste de Canudos, como numa arquibancada, varrendo o observador o arraial todo, desde o bairro Casas Vermelhas, tomado naquele dia pela tropa, ao norte, até os canhões do morro da Favela, ao sul, com os últimos defensores de Canudos sendo triturados no meio. Perfeita visão de conjunto, estratégica, incluindo a reação dos soldados não combatentes, com ficcionalização relativamente escassa, pois o narrador, sem ser onisciente, só conta o que o autor poderia ter visto (idem, p. 524, linha 142, até p. 526, linha 202, com epílogo até linha 218);

c) visão de conjunto, de cima também, mas focalizando só a ação coletiva dos defensores de Canudos, representada sob a forma de correntes de água ou de marés, sem metáforas teatrais, sem abranger criticamente o exército e seu papel de espectador da batalha (ibidem, p. 529, linha 1, até p. 531, linha 89).


Apoteose e escárnio - epílogo


A força das imagens euclidianas se deve ainda às alusões que faz a cenas antiqüíssimas do imaginário ocidental, relembradas de forma mais ou menos consciente pelos leitores, imagens quase arquetípicas. É curioso observar que este autor, que se considerava ateu, que se desculpava com os leitores por ter assistido a uma missa,18 se tenha valido tão amplamente de recursos estilísticos, imagens, motivos, mitos de origem religiosa, bíblica ou pagã, de cenas primordiais da Humanidade. A forte impregnação religiosa do livro não se deve só à temática, uma guerra contra um movimento camponês sócio-religioso. Com certeza se deve também ao efeito estético e retórico almejado pelo autor que escreve um livro "vingador", "de ataque" (Cunha, 1985, p. 583), com o objetivo de impressionar, entristecer, indignar. Quando evoca o que acontece com a cortina sobre o teatro da guerra, com essa "imprimadura, sem relevos, do fumo" sentimos um calafrio que sobe das profundezas de nossa cultura e emotividade: "Recortava-a, rubro e e sem brillhos - uma chapa circular em brasa - um Sol bruxuleante, de eclipse. Rompia-a, porém, de súbito, uma lufada rija. Pelo rasgão enorme, de alto a baixo aberto, divisava-se uma nesga do arraial ..." (idem, p. 525).

A cena é sugestiva por causa de seu pano de fundo bíblico, da evocação do que ocorreu na hora da morte de Jesus, assim narrada pelo evangelista Lucas (1963, p. 163): "E era já quase a hora sexta, e houve trevas em toda a terra até a hora nona, escurecendo-se o sol; e rasgou-se ao meio o véu do templo." Na versão do evangelista Mateus (1963, p. 66): "Jesus, clamando outra vez com grande voz, rendeu o espírito. E eis que o véu do templo se rasgou em dois, de alto a baixo; e tremeu a terra, e fenderam-se as pedras. E abriram-se os sepulcros, e muitos corpos de santos, que dormiam, foram ressuscitados ...". O paralelismo é patente. A batalha ocorre em volta e em cima dos templos de Canudos, dois dias após a morte do "bom Jesus", comunicada ao leitor duas páginas antes, de modo que se pode dizer aproximadamente que à sua morte seguiu-se o eclipse. A vinculação cronológica entre a morte do Conselheiro e o rasgamento do véu sobre a "Jerusalém de taipa" portanto é muito estreita; chegam a ser quase simultâneos na mente do narrador, naquele dia da condenação à morte de Canudos, sem que ninguém do exército, durante a batalha, soubesse ao certo da morte do Conselheiro dois dias antes.19 No fim do dia 24 corre o boato do desaparecimento do líder de Canudos, confirmado no dia 2 de outubro por Antônio Beatinho (Cunha, 1985, pp. 532, 564). Quer dizer que os espectadores, incluindo o narrador-espectador, poderiam ou até deveriam associar o fim de Canudos ao fim de seu líder-fundador: "A insurreição estava morta" (idem, p. 526), é a última frase deste subcapítulo. Embora seja uma hipérbole, pois a guerra durará ainda umas duas semanas, traduz uma verdade profunda. Realmente, no essencial, o Conselheiro e seus seguidores morreram no dia do complemento do assédio, pois este êxito das tropas do governo foi a garantia irrevogável de sua vitória, tornando além disso impossível a fuga dos últimos sobreviventes. Dramaturgicamente, é lógico esse trecho finalizar o capítulo "Nova fase da luta", o da batalha decisiva.

O capítulo seguinte, "Últimos dias", em termos de ação militar, é só epílogo, pois o fim do enredo está delineado inexoravelmente. Mas como todo bom dramaturgo, Euclides não abre mão de obstáculos ao desenlace previsível, evidenciando, exagerando até, as dificuldades da vitória final, de modo a acentuar o heroísmo do sertanejo na hora de seu ocaso e a sugerir, simbolicamente, a ressurreição ilusória no plano real: "O inimigo desairado revivesceu com vigor incrível" (p. 529). Curiosamente, a batalha tão teatralmente vivida pelos participantes e encenada pelo narrador no complemento do cerco, que aparentemente terminara com o triunfo total do exército, essa batalha na realidade continua. No último capítulo, o leitor se dá conta de que o fim de "Nova fase da luta", que parecia coincidir com o fim da batalha decisiva da guerra, foi um truque do autor. Como na realidade extraliterária o fio dos acontecimentos prossegue, ele não pode ser ignorado no livro. É retomado a seguir no capítulo final, intitulado "Últimos dias". Em outras palavras, ao desenlace daquele "ato de tragédia" (p. 525), que parece o fim de uma batalha, uma cesura, não corresponde nenhuma importante cesura no plano dos combates reais.

Por que então a interrupção do fluxo narrativo diante do fluxo ininterrupto dos eventos reais? Certamente, para dar maior destaque ao fechamento do cerco que, na verdade, como o leitor surpreso vai vendo em seguida, não termina o dia, pois ocorre no começo da tarde, nem termina a "refrega" (p. 524), que prossegue. Termina, porém, uma fase da guerra, coroando esforços do exército encetados em fins de junho, três meses antes portanto. Tal sucesso merece o realce, o ponto de exclamação do hábil encenador da História que é Euclides da Cunha. O corte do fluxo narrativo também é acompanhado por uma mudança na técnica narrativa. O resto da batalha continua a ser narrado de modo plástico e presentificador no capítulo seguinte, mas deixa de ser apresentado como cena de teatro. As metáforas teatrais cedem lugar a metáforas aquáticas e marítimas. Os defensores de Canudos agem como "uma vaga revolta, desencadeando-se num tumulto de voragem" contra os sitiantes, que formam uma espécie de barragem contra o "torvelinho furioso" dos canudenses (pp. 529-30). Soa quase como prenúncio da barragem que o exército e o DNOCS construiriam décadas depois com a intenção de represar, em vão aliás, as vagas revoltas da memória de Canudos.

Se a continuação da batalha de 23-24 de setembro de 1897, subseqüente ao fechamento do cerco, não aparece mais em forma teatral é também porque os soldados-espectadores se vêem de repente forçados pela combatividade ressurecta dos canudenses a abandonar a platéia e os camarotes para reassumir o papel de combatentes, pondo de lado a contemplação para se protegerem daqueles que pareciam vencidos, mas cujo "paroxismo estupendo acobardava os vitoriosos" (p. 531).

Mas o destino dos canudenses está selado. Sua resistência é só o "estrebuchar dos vencidos" (p. 527). A comunidade e o seu líder morrem mesmo. Prosseguindo, contudo, a paródia às reminiscências bíblicas, dá-se uma espécie de ressurreição simbólica e caricaturesca do "Messias de feira", empreendida pelo exército. "Desenterraram-no cuidadosamente. ... e a face horrenda, empastada de escaras e de sânie, apareceu ainda uma vez ante aqueles triunfadores" (p. 572). Os fariseus e as autoridades romanas pelo menos não profanaram o crucificado, permitindo a José de Arimatheia sepultá-lo dignamente. Depois, Jesus saiu do túmulo, voltou a ser vivo e eterno, teve sua epifania. A saída do túmulo que o exército proporciona ao "bom Jesus" de Canudos é, ao contrário, uma profanação, um sacrilégio, um escárnio. A força do governo que é, na visão dos canudenses e, quem sabe, na de Euclides também, o "Anticristo", arroga-se funções divinas ao desenterrar e ressuscitar o Conselheiro, não para provar que está vivo, mas para provar que está morto. E a falsa ressurreição acontece duplamente, através do decepamento e exposição da cabeça e da fotografia tirada por Flávio de Barros, ambos meios de identificação e pesquisa mas também de humilhação e sensacionalismo.20

Entretanto, os dois objetos, o crânio e sua imagem, têm destino não calculado pelo exército. Acabam testemunhando contra ele, graças aos depoimentos do escritor e do fotógrafo. Levar a cabeça para a grande cidade para exibi-la ao público e para submetê-la a exame científico constitui uma encenação macabra, - dá a entender Euclides -, indigna da missão civilizatória reclamada pelos militares. Coloca-os no mesmo nível bárbaro dos canudenses que, após a vitória sobre a terceira expedição, tinham pendurado o cadáver do coronel Tamarindo numa árvore, "feito uma visão demoníaca" (p. 368). De igual modo, o exército tenta apresentar o Conselheiro como visão demoníaca, ao exibir sua cabeça como troféu de guerra e prova da morte do "'famigerado e bárbaro' agitador" (p. 572). Anos mais tarde, o crânio queimaria num incêndio na Faculdade de Medicina em Salvador. O retrato porém sobreviveu, tornando-se a peça mais conhecida e divulgada do álbum de Flávio de Barros. Paradoxalmente, numa curiosa analogia com outro libertador malogrado das massas camponesas na América Latina, o Che, a fotografia encomendada pelos assassinos virou relíquia de um mártir, devido à semelhança com representações populares de Cristo, fazendo do Conselheiro um ícone das esperanças de salvação e renovação, no âmbito religioso e fora dele. Basta pensar no Movimento dos Sem-Terra, que considera o fundador de Canudos um dos precursores da organização do povo do campo na luta por sua libertação. Sendo a fotografia o único retrato autêntico que existe desse importante personagem da história brasileira, ele sobrevive no plano imagético apenas como morto. É com o desfile do crânio ante atores e espectadores/leitores, triunfo guerreiro e ritual de pesquisa científica, que tanto o exército como Euclides da Cunha concluem suas encenações da guerra de Canudos. Embora tenham sido encomendados pelas elites, a fotografia e o livro mantêm viva a memória do líder popular vencido, imortalizando-o.

A narração imagética e teatralizadora transforma o passado em história, bloqueia o esquecimento, transfigura e eterniza eventos e personagens. Graças, em grande parte, ao livro de Euclides, este demiurgo da memória, o Conselheiro e seu povo tiveram, no plano simbólico, imediata ressurreição e repetidas apoteoses, confirmadas no Centenário de Canudos em 1997. Tornaram-se parte constitutiva do imaginário nacional e base de legitimação para reivindicações políticas. A cada nova releitura de Os sertões ficamos de novo comovidos, escandalizados, entristecidos, evocando o escritor-orador-encenador Euclides da Cunha, ante nossos olhos e ouvidos, com sua magia verbal presentificadora, painéis e cenas daquele fascinante projeto social e de seu trágico malogro.


Notas


1 Ver Calasans (1986, pp. 1-21); Levine (1992, pp. 1-10, 59-65); Villa (s.d., pp. 7, 8-13, 246-265), no seu compreensível e necessário ceticismo crítico em relação às fontes históricas, parece ir longe demais ao qualificar de "danoso" o impacto de Os sertões. O dano, se houve, é resultado de leituras inadequadas deste clássico que não levam em conta sua literariedade. Mais complacente com Euclides da Cunha se mostra Pernambucano de Mello (1997, p. 233)

2 Em pesquisa da revista Veja (23.11.1994) entre 15 conhecidos intelectuais brasileiros sobre os livros mais representativos do país, Os sertões recebeu o maior número de votos. Em janeiro de 1995, na Bestenliste, a lista mensal dos melhores livros recém-publicados em língua alemã, organizada pela emissora de televisão Südwestfunk, após consulta a 35 críticos alemães, suíços e austríacos, a tradução alemã de Os sertões, publicada em outubro de 1994 sob o título Krieg im Sertão, pela editora Suhrkamp em Frankfurt am Main, saiu em 3o lugar, num mercado que conta com setenta mil novos livros todo ano, dos quais, dez mil de ficção. Nas universidades norte-americanas, Rebellion in the backlands, traduzido por Samuel Putnam, publicado pela primeira vez em 1944, pela Chicago University Press, é um must nos cursos de letras, antropologia e história, com mais de doze edições.

3 Euclides comenta fontes históricas que não leu: as prédicas do Conselheiro, por exemplo, à p. 249. Aproveita outras sem crédito, reproduz boatos, transcreve diários de soldados que deixa no anonimato, não faz nenhum esforço para preservar documentos, como esses diários, cartas de "jagunços" ou as prédicas do Conselheiro. Parece mais um folclorista pois mostra zelo documental quando reproduz poesia popular, fontes marginais para um historiador profissional da época, mais preocupado com fatos militares, econômicos e políticos. Sobre sua relação com as suas fontes ver Bernucci (1995). As citações de Os sertões se referem à edição crítica elaborada por Galvão (1985).

4 Sobre a versificação em Euclides, ver A. e H. de Campos (1997). Caracterização concisa e convincente da composição e do estilo de Os sertões encontra-se em F. de Oliveira (1983; ver especialmente os capítulos 'Um problema de ontologia literária', pp. 13 e ss., e 'O Universo verbal de Os Sertões', pp. 47 e ss.).

5 O narrador "finge a apresentação de um simpósio de sábios". Ver Galvão (1990, pp. 88-103). Em outro artigo, Galvão (1981, pp. 62-84, 81) diz: "A repetição incessante de afirmações contraditórias oferece a possibilidade de se ler dois livros num só. Num deles, os rebeldes são heróicos, fortes, superiores, inventivos, resistentes, impávidos. No outro eles são ignorantes, degenerados, racialmente inferiores, anormais, atributos que impregnam também, por extensão, seu líder Antônio Conselheiro e o proprio arraial onde viveram".

6 'Carta a José Veríssimo, em Galvão e Galotti (1997, p. 143). Na mesma carta escreve: "Eu estou convencido que a verdadeira impressão artística exige, fundamentalmente, a noção científica do caso que a desperta - e que, nesse caso, a comedida intervenção de uma tecnografia própria se impõe obrigatoriamente - e é justo desde que se não exagere ao ponto de dar um aspecto de compêndio ao livro que se escreve, mesmo porque em tal caso a feição sintética desapareceria e com ela a obra de arte" (ibidem, p. 144).

7 Para elucidar um pouco a intrincada questão do(s) gênero(s) de Os sertões talvez convénha examinar as seis funções assinaladas por Roman Jakobson (1969, pp. 118-62) em qualquer ato comunicativo, inclusive na literatura: as funções expressiva, referencial, metalingüística, fática, apelativa (que chama de conativa) e a poética, para nós a mais importante. Ora, em Euclides não há função claramente predominante; antes observamos revezamento contínuo entre a expressiva, a referencial, a poética e a apelativa, estando as outras, temporariamente no pano de fundo, mas sempre presentes. O próprio Euclides parece não ter muita certeza sobre qual seria a função preponderante. Na nota preliminar, dá a entender que é a referencial, ou seja, o relato objetivo sobre um contexto extralingüístico, sob a ótica de teorias de evolução biológica e social. Mas já na primeira parte, sobre a terra, a mais científica, que deveria ser a mais objetiva, o leitor vê que não se trata de um estudo acadêmico, longe disso, pois o autor volta e meia se empolga com os "gongorismos" de um Rocha Pita ou com as "perspectivas majestosas, que se desdobram ao Sul, trocando-as pelos cenários emocionantes daquela natureza torturada..." (Cunha, 1985, p. 103). Esse tipo de geografia e geologia é chamado pelo próprio autor de "concepção aventurosa" (idem). Assinalemos também o episódio do soldado aparentemente adormecido (ibidem, p. 112) que lembra o poema Le dormeur du Val, de Rimbaud. Mesmo nesta parte mais científica do livro, há portanto forte presença das funções expressiva, poética e apelativa. Por outro lado, seria problemático estabelecer uma oposição entre essas funções, principalmente entre a referencial e a poética, pois o que seria a última sem a relação com a realidade histórica extraliterária? Suponhamos que Os sertões fossem um livro puramente ficcional, com a fantasia tão solta e livre como em As minas de prata, de José de Alencar. Não teriam o mesmo impacto, mesmo no plano literário. Não é possível dissociar a função referencial da poética, pois o impacto desta se deve, em parte, àquela.

8 Foi-me útil e instigante o uso que o recém-falecido historiador Georges Duby (1973) faz do conceito de encenação, em que trata de uma batalha medieval na qual se defrontaram os exércitos francês e alemão. Enxerga a batalha e sua memória como um antropólogo, colocando ambas em seu contexto cultural. Interpreta a apresentação desse evento nas fontes e na historiografia posterior como encenação e mitificação, dando a entender que os próprios protagonistas já agem teatralmente ao ostentarem status e importância visando o efeito sobre os homens e sobre Deus. A segunda encenação é empreendida pelos cronistas e historiógrafos que narram e analisam o evento para louvar ora a monarquia, ora a nobreza e os cavalheiros, ora a igreja, ora o exército, ora a nação, conforme interesses posteriores. Enquadram a batalha numa perspectiva teleológica. As metáforas teatrais usadas por Duby, no entanto, parecem ser dele mesmo, o que contradiz um pouco sua pretensão antropológica de compreender a batalha através do ambiente cultural da época do evento e das épocas que o rememoram. A interpretação das fontes e dos estudos historiográficos como encenação obedece em grande parte ao desejo de ordenar e presentificar o evento de maneira plástica e ao mesmo tempo crítica para o leitor hodierno, especialista ou leigo. Duby combina assim a crítica das fontes com um discurso organizador e evocador sobre o evento em toda a sua sensorialidade e concretude, o que talvez explique seu grande êxito junto ao público extra-acadêmico. Sua análise das encenações feitas por testemunhas, cronistas e historiadores resulta também numa encenação, criticamente refratada e de leitura agradável.

Como historiógrafo, Euclides tem algo desse olhar participante e antropológico. Como testemunha, encena a guerra de Canudos de forma muito mais consciente e sistemática que Guilherme de Brito, testemunha ocular e principal cronista. No caso da batalha de Bouvines, o verdadeiro diretor de teatro, quem introduz as metáforas teatrais na narração, é o próprio Duby que, como bom conhecedor do teatro clássico, limita a duração do enredo a um dia só. Euclides não pode fazer isso já que seu assunto é uma guerra toda, mas ele o faz em certos episódios, as batalhas de 3.3, 18.7, 23-24.9 de 1897, por exemplo.

Aliás, a própria realidade vem ao encontro da sua representação teatral, com a sua unidade de lugar, enredo, líder em um dos partidos beligerantes, tempo de ação claramente delineado, com sua seqüência transparente de começo, poucas grandes peripécias, desenlace teatral, montanhas circundantes servindo de arquibancadas. Aqui os fatos favorecem muito mais a teatralização do que em guerras comparáveis mas desconexas, como o Contestado, que durou quatro anos, sem líder único, sem centro aglutinador.

9 Essa junção da poesia com a pintura é um antiqüíssimo recurso literário. Aparece por exemplo no ditado de Horácio 'Ut pictura poesis' - que a poesia seja como a pintura. É igualmente antiga a relação entre prosa narrativa e teatro. A representação de uma realidade factual ou ficcional como se fosse descrição de obras das artes plásticas ou cênicas é um antigo recurso usado para impressionar, através de todos os sentidos, a alma e o espírito do leitor. Foi muito usada por autores finisseculares, tanto do naturalismo como do parnasianismo.

O próprio Euclides foi desenhista e fotógrafo do sertão; as tomadas fotográficas perderam-se mas boa parte dos croquis foi conservada. Ver Cunha (1975, pp. 10 e 55, onde fala dessas atividades; e pp. 53 e 126 onde são reproduzidos os croquis). Parece que a morfologia da terra fascinou o desenhista mais do que o próprio arraial.

O tema 'Euclides e a fotografia' ainda não foi explorado, que eu saiba. Ele foi a Canudos com uma máquina fotográfica moderna, portátil, porém nunca se teve conhecimento de fotos tiradas com ela. Por outro lado, há fortes indícios de que, ao escrever Os sertões, tinha diante de si pelo menos algumas fotos de Flávio de Barros. Se tivesse conhecido o cinema, certamente teria usado metáforas provenientes dessa arte também. Pois nas entrelinhas ela está presente. Em vários trechos, Euclides parece dinamizar o uso da câmera e do binóculo, ambos mencionados diversas vezes, passando a adotar um olhar cinematográfico, com perspectivas panorâmicas, travelling, zoom, focalização de determinados objetos, close-up, virada para a direita, para a esquerda etc.

10 Eis uma lista incompleta dessas metáforas pictoriais (a) e teatrais (b):

a) Quadro, imagem, pintura, desenho, escultura, estátua, estatuário, arquitetura, arquiteto, copista, natureza morta, debuxo, moldura, molduragem, rendado, cariátide, relevo, imprimadura, sombreado, focalização das imagens, linhas esculturais, plástica estupenda, primor de estatuária, modelado em lama, fotografia, trágicas exposições, modelar, fotografar, estereografar, colher em flagrante, pintar, desenhar, arquitetar, malear, rebater-se, esbater-se, talhar.

b) Teatro, drama, dramático, protagonista, anfiteatro, espetáculo, enredo, ação, prelúdio, cenário, palco, gambiarra, telão, ato de tragédia, coturno, camarotes, comparsa, papel, perfil, figura, ator, episódio, episódio truanesco, tragédia, trágico, peripécia, desenlace, desfecho, manequim, divertimento, lance teatral, platéia, espectador, binóculo, intervalo, aclamações, aplauso, aplaudir, salva, ovações, vaia, corrimaça, vivas, arena, epílogo, encenação, agitar os binóculos, patear, estrugiam bravos, desenrolar-se, representar um drama, apoteose.

Várias dessas metáforas têm duplo sentido, como por exemplo "apoteose", o que não enfraquece o caráter teatral da narração. E na medida em que os eventos são apresentados não como drama metafórico, mas como um drama real, as expressões de origem teatral vão perdendo sua função metafórica para se tornarem denominações próprias, como na representação da batalha (Cunha, 1985, pp. 524-26).

11 É o que o teórico da literatura W. Iser (1972) chama de leitor implícito, ou seja, um conjunto de dispositivos e condições de recepção, que o texto ficcional oferece aos leitores, orientações prévias que fazem parte da própria estrutura dos textos. Estes só ganham realidade nos atos de leitura. Na composição e estrutura narrativa do texto, no seu estilo, já estão presentes as coordenadas de sua recepção, da atualização dos seus significados na mente do leitor, como fôrmas a serem preenchidas por determinados atos de leitura.

12 Ver Euclides da Cunha. Obra completa, organizada por Afrânio Coutinho (1966, vol. II, pp. 77-87). Ver também, no mesmo volume, o ensaio do organizador às pp. 57-62. Vou deixar de lado aqui os inegáveis traços épicos de Os sertões, já apontados por muitos críticos, e também o aspecto da tragicidade, ainda que este caiba melhor aqui, pois está ligado ao da teatralidade, mas não de forma exclusiva, pois pode haver tragicidade fora do teatro. De qualquer forma gostaria de dedicar um estudo à parte a este tema, extenso demais para o presente artigo. É claro que as freqüentes caracterizações do livro como drama e tragédia, por um lado, e como epopéia, por outro, estão intimamente ligadas à dualidade por mim enfatizada entre representação ora pictorial, correspondete mais à epopéia, ora teatral, correspondete mais à tragédia, dualidade que se manifesta, no plano sintático, na alternância entre os pretéritos imperfeito e perfeito.

13 Garscha (1994), professor de literaturas românicas da Universidade de Frankfurt am Main, chama o livro de "tragédia em cinco atos, quatro expedições e a fase final da luta".

14 Euclides parece vacilar entre ironia e empolgação com respeito ao tradicional discurso grandiloqüente e glorificador nas histórias das guerras. Ver também a seguinte declaração de intenção estética e moral do autor: "Mas que entre os deslumbramentos do futuro caia, implacável e revolta; sem altitude, porque a deprime o assunto; brutalmente violenta, porque é um grito de protesto; sombria, porque reflete uma nódoa - esta página sem brilhos..." (Cunha, 1985, p. 538).

Se a guerra não tem o brilho esperado, principalmente do lado das tropas legais com seus desmandos ilegais, a degola dos prisioneiros masculinos, por exemplo, claro que as páginas dedicadas a esta guerra têm que ostentar muito mais brilho, para lutar contra a indiferença e o esquecimento, para que não se cumpram previsões pessimistas como esta: "Ademais, não havia temer-se o juízo tremendo do futuro. A História não iria até ali" (idem, pp. 537-8; previsões similares na p. 538).

15 Não é facil determinar com certeza a data dessa batalha. É provável que tenha acontecido em 23 de setembro, alongando-se até o dia seguinte. Ver Sampaio Neto et al (1986, p. 73). Porém a 'Cronologia da Campanha de Canudos', no apêndice do livro, indica o 24.9, o que não é de se admirar, porque se baseia em Os sertões. O escritor pode ter concentrado os dois dias da batalha num só por motivos estéticos e de suspense. Ver também o depoimento de outra testemunha ocular, Macedo Soares (1985, pp. 178 e segs). Como jornalista, Euclides indica o 23 como fechamento do cerco na correspondência ao Estado de S. Paulo em 24 de setembro (Cunha, 1939, p. 91). No seu diário, é menos claro (ver Cunha, 1975, pp. 55 e 56). É provável que o cerco se tenha fechado mesmo no dia 23, mas se tenha tornado realmente estrangulador, mais tangível para os não-combatentes no dia seguinte, quando pela primeira vez chegou um grande contingente de prisioneiros ao acampamento do exército (ver Cunha, 1985, pp. 531-32). Um coronel e cronista da guerra de Canudos, Dantas Barreto (1912, pp. 250-51), mais tarde político e membro da Academia Brasileira de Letras, indica o dia 23.9 como fechamento do cerco. O historiador positivista Euclides da Cunha menciona o dia 23.9, fazendo jus à cronologia objetiva, mas o narrador-espectador-presentificador do mesmo nome prefere o dia 24 porque aí o cerco se tornou espetáculo, prestando-se melhor a ser relatado de modo sensorial. Dantas Barreto também é sensibilizado pela teatralidade da destruição final de Canudos que chama de "scena da emocionante tragedia" (p. IV) sem, no entanto, salvo raras veleidades literárias, traduzir essa teatralidade dos acontecimentos em forma narrativa e estilo. O mesmo vale para outros relatos de oficiais.

16 Desde Fernando Nery, organizador da edição de 1933 da editora Francisco Alves, alguns editores deram a esse trecho o entretítulo de 'Cenário de tragédia', expressão do próprio Euclides, pois na verdade ele é apresentado como um ato de tragédia. A introdução de entretítulos por iniciativa de alguns editores e tradutores, valendo-se dos itens nos sumários de cada uma das oito partes do livro e de palavras-chave dentro do próprio texto - tradição naturalmente seguida por Afrânio Coutinho na edição da Aguilar, e também, até certo ponto, por mim na tradução alemã - reforça a teatralidade inerente do livro. Ver Galvão, 'Introdução', em E. da Cunha (1985, p. 23).

17 Manifestações de escárnio e triunfo sobre os canudenses já foram censuradas anteriormente pelo narrador, por exemplo em Cunha (1985, pp. 505-06).

18 Ver Cunha (1939, p. 74), onde justifica perante os seus leitores, num tom semi-irônico, a sua presença numa missa a que fora convidado por dois frades franciscanos alemães em Cansanção, a meio caminho entre Queimadas e Monte Santo: "Não me apedrejeis, companheiros de impiedade; poupae-me, livres pensadores, iconoclastas ferozes!"

Sobre a presença de imagens e motivos bíblicos em Os sertões ver Walnice Nogueira Galvão, 'Os sertões, o canto de cólera', em Nossa América. São Paulo, Memorial da América Latina, no 3, 1990, pp. 88-103; republicado em Ana Pizarro (org.), Palavra,literatura e cultura na América Latina, 3 vols., São Paulo, Memorial; Campinas, Universidade de Campinas, 1994, vol. 2, pp. 615-33. Ver Flávio Aguiar, 'A volta da serpente: Um estudo sobre Os sertões de Euclides da Cunha', ainda inédito.

19 Nem no dia 28 de setembro Euclides da Cunha sabia disso com toda a certeza (Cunha, 1975, p. 69). E outro cronista escreveu que em "fins de setembro corria com alguma insistência o boato da morte de Antônio Conselheiro .... Entretanto, desde 2 de outubro foi a notícia confirmada pelos prisioneiros, que asseveravam ter ido para o céu o lendário asceta". (Macedo Soares, 1985, pp. 229-30.)

20 "Terminada a guerra, tratou o exército de dar ampla divulgação ao material fotográfico de Flávio de Barros, inclusive em exposição pública. Quatro meses apenas após o final dos combates, a Gazeta de Notícias (2.2.1898), sob a chamada 'Campanha de Canudos ... Curiosidade! Assombro!! Horror!!! Miséria!!!!', convidava seus leitores a assistirem às cenas "tiradas no campo da ação pelo fotógrafo expedicionário Flávio de Barros, por consenso do comandante em chefe das tropas'" (Almeida, 1997, pp. 26-7, 80 e 81; 24-5). Sobre a cobertura da guerra na imprensa brasileira da época, ver Galvão, 1977. Sobre a presença da guerra de Canudos na imprensa européia da época, ver Zilly (julho de 1997, p. 59-87).



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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