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Euclides
da Cunha:
Ars longa, vita brevis
"Felizmente
Esta physionomia,
De onde resalta rispida expressão
Da face de um tapuya espantadissimo,
Has de achal-a bellissima...
Porque saberás ver, nitidamente,
Com os raios X da tua phantasia
O que outros não vêm - o coração..."
Dedicatória em fotografia a Coelho Neto
Cronologia de Euclides
da Cunha
uclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu no dia 20 de janeiro de 1866, na Fazenda da Saudade, Distrito
de Santa Rita do Rio Negro (hoje Euclidelândia), município de Cantagalo, então província
do Rio de Janeiro. Seus pais foram o baiano Manuel Rodrigues Pimenta
da Cunha e Eudóxia Moreira da Cunha. A sua família, de origem luso-baiana,
aí se instalara, em meados do século XIX, atraída pela miragem da
riqueza fácil que o café parecia oferecer a todo o Vale do Paraíba
Na verdade, os seus não conheceriam a abastança
dos barões do café; antes, partilharam o quinhão de uma vida mediana e laboriosa
de pequenos fazendeiros; e laboriosa e mediana seria a também a vida toda de
Euclides: militar, engenheiro, topógrafo, jornalista, escritor e, por fim, por
um brevíssimo espaço de tempo, professor.
Fez seus estudos secundários em vários colégios.
Na adolescência escreveu alguns poemas, ainda românticos, de um romantismo liberal
afim ao espírito e à linguagem de Victor Hugo, cujo ideário se cifrava no culto
do Progresso e da Liberdade. E Euclides fez-se muito cedo abolicionista e republicano
ardente. O pendor para os estudos matemáticos levou-o a eleger como curso superior
a Engenharia, entrando primeiro na Escola Politécnica, que mal freqüentou e,
logo depois, na Escola Militar da Praia Vermelha. Neste centro difusor da mentalidade
positivista educa-se o jovem Euclides para um tipo de pensamento que atava no
mesmo feixe de valores a Ciência e o republicanismo. Seu mestre de maior prestígio,
Benjamin Constant, discípulo da filosofia de Auguste Comte, viria a ser
um dos co-autores intelectuais do movimento militar que depôs o Imperador em
1889. O cadete Euclides incorporou com vigor os traços fatalistas da ciência
européia do tempo e, apesar dos matizes que o contato com a realidade iria ensinar-lhe
mais tarde, foram esses os vincos mentais que o marcariam de forma duradoura.
A lado da influência de Comte, o evolucionismo
de Darwin e de Spencer o dispôs a aceitar, com excessiva confiança, as "leis"
sobre os caracteres morais das raças que tanto acabariam pesando na elaboração
de Os Sertões.
De Euclides republicano virulento guarda-se
o episódio em que desfeiteou, perante a tropa formada por colegas, o Ministro
da Guerra do Império, lançando ao chão o próprio sabre. O Ministro, um civil,
não obtivera o apoio dos cadetes, já em crescente animosidade contra D. Pedro
II. Expulso da Escola, excluído do Exército em 1888, partiu para São Paulo onde
o acolheu com entusiasmo o grupo republicano de lá, a essa altura, apoiado por
boa parte dos senhores do café, promotores da imigração. Euclides passou a escrever
no jornal A Província de São Paulo (depois de 1889, O
Estado de S. Paulo) artigos de cunho ideológico: um pouco de Comte,
um pouco de Spencer, muito de republicanismo militar. Um desses artigos terminava
assim:
"Porque sabemos que a República
se fará hoje ou amanhã fatalmente, como um corolário de nosso desenvolvimento;
hoje calmamente, científicamente, pela lógica, pela convicção; amanhã...
Amanhã será preciso quebrar a espada do Sr. Conde d'Eu"
Proclamada a República, Euclides pôde reintegrar-se
às fileiras do Exército, cursando então Artilharia e Engenharia, na Escola Superior
de Guerra. Em agosto de 1890, casa-se com Anna da Cunha.
Nos anos seguintes dedicou-se aos estudos brasileiros
de que foi, até a morte, um cultor assíduo. Na vida política, aproximou-se do
grupo que preparou o contragolpe de Floriano Peixoto, aos 23 de novembro de
1891, e que visava a restabelecer as garantias parlamentares após a dissolução
do Congresso decretada pelo Marechal Deodoro aos 3 de novembro do mesmo ano.
Em 1892, escreve alguns artigos para O Estado de S. Paulo,
defendendo as medidas políticas de Floriano. Este manda-o chamar e dá-lhe a
liberdade de escolher o cargo que bem entendesse. Euclides, "na época do
pleno despencar dos governadores estaduais", como ele próprio refere em
carta a um amigo, pede apenas "o que previa a lei, para os engenheiros
recém-formados: um ano de prática na Estrada de Ferro Central do Brasil."
Aí, de fato, estagiou alguns meses, transferindo-se depois para a Diretoria
de Obras Militares, onde fiscalizou os trabalhos de defesa contra as ameaças
da Esquadra fundeada na baía de Guanabara (1893).
Em março de 1894, dão-lhe a incumbência de
dirigir a construção de um quartel na cidade mineira de Campanha. Segundo alguns
biógrafos, esse "exílio" teria sido planejado pelo Governo Floriano
como forma de apartar do Rio o inquieto tenente que começara a agredir, pelo
jornal, um senador governista, adepto da execução sumária dos réus políticos...
A essa altura, Euclides entrega-se com fervor
aos estudos brasileiros, passando da geologia à botânica, da toponímia à etnologia:
o acervo de conhecimentos que então carreou formaria a base científica de Os
Sertões, obra redigida alguns anos mais tarde.
Desvinculando-se da carreira militar, passa
a viver como engenheiro civil junto à Superintendência de Obras Públicas de
São Paulo (1896).
Um fato veio alterar a rotina dessa vida de
estudioso e funcionário exemplar. Os jornais de 7 de março de 1897 noticiaram
o desbarato de uma tropa formada por 1300 soldados em luta com jagunços entrincheirados
em Canudos, vilarejo do sertão
norte da Bahia. Junto à nova derrota vinha a da morte do Coronel Moreira César,
líder da ala florianista do Exército.
O episódio foi logo interpretado como primeira
fase de uma luta armada em prol da restauração do regime monárquico. Embora
esse modo de entender fosse objetivamente um absurdo, políticos voltados somente
para problemas partidários e ignorantes da realidade sertaneja fantasairam conjunturas
anti-republicanas. As vítimas mais próximas foram diários saudosistas dentre
os quais o Comércio de São Paulo, mantido por dois intelectuais refinados,
absolutamente distantes de qualquer ligação com os jagunços, Eduardo Prado e
Afonso Arinos...
Euclides, republicano de primeira hora, aceitou,
no princípio, a interpretação dos jornais. Em dois artigos publicados em O
Estado de S. Paulo, sob o título geral de "A
Nossa Vendéia" (14/03 e 14/07/1897), também aproxima as escaramuças
de Canudos a uma crise política que estaria envolvendo o regime e o Exército.
O Estado de S. Paulo convida-o a acompanhar,
como correspondende, os sucessos de Canudos. Euclides partirá para a Bahia em
4 de agosto de 1897 e enviará as suas notas de repórter até o início de outubro
do mesmo ano. O que colheu nesses dois meses de observações viria a publicar-se
postumamente sob o título de Canudos - Diário de uma Expedição, que constitui
a matriz de Os Sertões.
O contato direto com as condições físicas e
morais do sertanejo acabou por desmentir o pressuposto de que Canudos era um
foco monarquista. Desfeito o equívoco, o escritor pôs-se a examinar com novos
olhos aquela sociedade, a um tempo rude e complexa, cuja interpretação ele proporia
em Os Sertões em termos de mestiçagem e de influência do meio. Igualmente,
junto ao arraial do Canudos conheceria o assombro ante a resistência heróica
dos sertanejos a tropas tão mais numerosas e tão bem equipadas.
Euclides fica em Canudos até o fim da campanha,
assistiu ao massacre dos jagunços e percebeu, com todos os sentidos, o absurdo
daquela luta desigual e injusta cujo desenlace seria comemorado no Rio e em
São Paulo como uma vitória da República.
Voltando a São Paulo, não tardou em por mãos
à redação da sua obra máxima. Em 19 de janeiro de 1898 divulga, pelo Estado,
os "Excertos de um Livro Inédito", amostra do estilo que sela o livro
todo. Este só veio a ser composto na íntegra em São José do Rio Pardo, cidade onde o escritor dirigiu, entre 1898 e 1901, as obras
de reconstrução da ponte sobre o Rio Pardo.
Foram anos de estudo intenso e variado. Ao
lado das ciências naturais, da Geografia e da História brasileiras, Euclides
lê clássicos portugueses, cuja sintaxe e cujo vocabulário deixariam não poucos
sinais em Os Sertões.
Mas foram também anos de interesse por ideologias
renovadoras que já encontravam eco em um Brasil em fase inicial
de industrialização. Sabe-se que Euclides se achegou ao grupo socialista
de São José do Rio Pardo, constituído pela ação inteligente de amigos
seus, Francisco Escobar e José Honório de Sylos, e pelo fervor de
alguns imigrantes italianos. destes é de justiça lembrar o nome
de Pascoal Artese, fundador do jornal O Proletário cujo primeiro
número saiu em dezembro de 1901.
Ao que parece, o escritor teria sido antes
um observador simpático do que um militante convicto. Os testemunhos são contraditórios:
há quem o diga omisso e ausente; mas há quem o aponte como fundador do clube
socialista local. O que importa, porém, é a assimilação de critérios progressistas
na gênese da obra de Euclides, principalmente nos seus últimos escritos, dentre
os quais é texto exemplar "Um Velho Problema", de 1904, página candente de repúdio à exploração
da classe operária.
Em Os Sertões, a interpretação ainda
sofre um peso excessivo dados aos autores do meio físico e da mestiçagem; e
é a partir deles que aí se faz a crítica da política federal e do seu republicanismo
vazio.
Em maio de 1901 Euclides despede-se de São
José do Rio Pardo. O livro, quase pronto, seria ainda polido na
linguagem vindo a publicar-se só em 1902. Mas a consagração foi
imediata e valeu ao autor artigos elogiosos dos maiores críticos
da época (José Veríssimo, Araripe Jr.) e a eleição para o Instituto
Histórico e Geográfico e para a Academia
Brasieleira de Letras, com votos de Machado de Assis e do Barão
do Rio Branco.
O escritor continuou a trabalhar como engenheiro
e a escrever sobre nossos problemas, compondo, em 1904, vários artigos, reunidos
mais tarde em Contrastes
e Confrontos. Em 1905, o Barão do Rio Branco, então no Ministério das Relações
Exteriores, designa-o para a chefia da Comissão
de Reconhecimento do Alto Purus. Passa na Amazônia todo esse ano: fruto da viagem
é o Relatório sobre o Alto Purus, publicado em 1906. No ano seguinte,
a própósito de uma questão de fronteiras, escreve Peru
versus Bolívia.
Em 1909, como desejasse ingressar no magistério
oficial, fez concurso para a cadeira de lógica do Colégio Pedro II, concorrendo
com o filósofo Farias Brito. Este, apesar de ter feito provas superiores, é preterido. Euclides assume as aulas, mas por pouco tempo.
Em um desforço pessoal no qual se empenhara
por motivos de honra, é morto numa troca de tiros com o cadete do Exército Dilermando
de Assis, que se tornara amante de sua esposa, aos 15 de agosto de 1909. Contava,
aos morrer, quarenta e três anos de idade.
Baseado em texto de Bosi, Alfredo. Introdução.
in: Os Sertões. Edição Didática. São Paulo, Cultrix, 1982.
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