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Mario Cesar Carvalho da Reportagem Local
Ao morrer sob o pára-choque traseiro de um caminhão, em 14 de agosto
deste ano, Roberto Ventura deixou na memória do seu computador um texto
chamado "Euclides da Cunha -Uma Biografia". Tem 182 páginas e fora
modificado pela última vez em 10 de novembro de 2001. Não é o livro que
Roberto publicaria como resultado dos dez anos de pesquisa sobre a vida de
Euclides. O tom do texto já não lhe agradava, a ordem cronológica da
narrativa lhe parecia imprópria para uma vida repleta de lacunas como a de
Euclides, e faltava ênfase nas interpretações que fazia de "Os Sertões",
de Canudos e de Antônio Conselheiro. É claro que Roberto Ventura
(1957-2002) tinha suas razões, mas o texto renegado é tão surpreendente
que Luiz Schwarcz, editor da Companhia das Letras, decidiu publicá-lo ao
ler as 50 primeiras páginas. O texto, do qual o Mais! publica um trecho
com exclusividade, começa como uma biografia convencional, mas com um grau
de síntese e precisão que só parece possível a germanófilos e seus cultos
à essência, como era o caso de Roberto. Ao narrar o ápice da vida de
Euclides, com a publicação de "Os Sertões" em 1902, Roberto deixa algumas
pistas breves de temas que acabaram se tornando suas pequenas obsessões: o
paralelismo entre as vidas de Euclides e de Antônio Conselheiro (daí o seu
interesse pelo Plutarco de "Vidas Paralelas") e a idéia de que o
Conselheiro que passou para a história como um fanático religioso não
passa de uma criação -e uma projeção- de Euclides. É um exercício
inútil de futurologia do passado especular se a nova versão da biografia
iria tomar um desses rumos. Roberto morreu. Mas o Euclides que ele deixou
no copião do que seria a sua biografia revela um escritor mais perturbado
e menos majestoso do que a imagem que outros biógrafos pintaram dele. Era
o Euclides Conselheiro, um duplo que muda a história de Euclides, do
Conselheiro e de Canudos.
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