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POR EDUARDO LOURENÇO
Conheci tarde o livro de Euclides. Por dever de ofício, primeiro, por
paradoxal sedução, depois. Não creio que tenha verdadeira leitura para
quem não conheça o Brasil. Precisamente o Brasil que Euclides inventa
escrevendo-o por paixão de geógrafo e empenhamento jornalístico e
político. Em todos os sentidos, "Os Sertões" é um livro não só singular,
mas insólito. É como uma estátua da ilha de Páscoa na paisagem, nem sequer
literária, brasileira. Está aquém e além da literatura. Certas descrições
são célebres (o higrômetro). O todo, inóspito, abrupto, arcaico, tornou-se
mítico. É um livro que o leitor deve construir com o material apenas
elaborado do autor que está ao mesmo tempo fora do seu texto e dentro
dele. A revolta de Canudos, que devia ser uma mera excrescência da sua
ficção ctônica e antropológica, revela-o a si mesmo como um Homero
bárbaro, como todos os Homeros. A crônica de um episódio excêntrico de um
mundo excêntrico converte-se, graças à sua paixão cívica e ética, em
adivinhação e compaixão proféticas por conta do futuro. A crônica de um
Brasil como o avesso do Paraíso. Com Antônio Conselheiro como um redentor
sem redenção.
Eduardo Lourenço é um dos principais ensaístas
portugueses e ganhador do Prêmio Camões de 1996. É autor de "A Nau de
Ícaro" e "Mitologia da Saudade" (Companhia das Letras), entre
outros.
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