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"OS SERTÕES"
PASSO A PASSO
"Os Sertões" foi publicado pela editora Laemmert em 2/ 12/1902,
com 637 páginas, contendo desenhos de paisagens e mapas
geológicos, botânicos e geográficos como ilustrações, além
de fotografias do conflito feitas por Flávio de Barros.
No dia seguinte, um artigo elogioso do crítico literário
paraense José Veríssimo, publicado no "Correio da Manhã",
o apontava como obra de literatura, história e ciência,
iniciando um padrão de interpretação sustentado por muito
tempo. Veríssimo censurava, porém, o abuso de termos técnicos
e o rebuscamento do estilo. Seguiram-se artigos de Coelho
Neto, em "O Estado de S. Paulo", e de Araripe Júnior, no
"Jornal do Commercio", atacando o colega paraense e exaltando
o livro. Euclides da Cunha havia voltado deprimido e doente
da cobertura da campanha de Canudos e demorou quatro anos
para concluir o livro. A maior parte foi redigida em São
José do Rio Pardo (SP), onde o autor viveu de 1898 a 1901
executando um trabalho de engenharia pública (construção
de uma ponte metálica em substituição a uma outra, destruída
em uma enchente). É o relato mais famoso da Guerra de Canudos
(novembro de 1896 a outubro de 1897), que terminou com o
massacre pelas Forças Armadas do povoado liderado por Antônio
Conselheiro (1830-97).
Entre as principais edições da obra de Euclides estão a
de Alfredo Bosi, com texto cotejado e estabelecido por Hersílio
Ângelo (ed. Cultrix, 1975), e a "Edição Crítica de "Os Sertões'"
(Brasiliense, 1985), por Walnice Nogueira Galvão, que é
considerada a edição de referência. Walnice Galvão também
organizou, com Oswaldo Galotti, a "Correspondência de Euclides
da Cunha" (Edusp, 1997), com quase 400 cartas do escritor.
Em 2001, saiu outra edição -"Os Sertões - Campanha de Canudos"
(Ateliê Editorial/Imprensa Oficial do Estado/Arquivo do
Estado)-, em volume alentado, embora sem pretender ser crítica,
organizada por Leopoldo M. Bernucci.
A obra-prima de Euclides é dividida em três partes: "A Terra",
"O Homem" e "A Luta".
A Terra Estudo da natureza que simula um vôo panorâmico sobre o
planalto para descrever a geografia brasileira desde as escarpas do
litoral ao sul, passando pela beira-mar do Rio de Janeiro, Espírito Santo
e Bahia rumo à bacia do rio São Francisco, até o vale do rio Vaza-Barris,
à margem do qual se encontrava a comunidade de Belo Monte. "O planalto
central do Brasil desce, nos litorais do Sul, em escarpas inteiriças,
altas e abruptas". Além da explanação do clima semi-árido e da
caatinga, Euclides aborda o problema das secas da região. Espécie de
versão laica do "Gênesis", a primeira parte seria uma recriação de "mundos
revoltos e instáveis, varridos por mares pré-históricos e labaredas
bíblicas", em que o autor desce às profundezas do solo e recua até a
origem da região e seus habitantes "para explicar a irrupção quase
vulcânica do Conselheiro e de seus seguidores". Outra iconologia que
Euclides obtém na comparação entre a natureza e Canudos é a antecipação,
pelo cenário árido, da tragédia: assim, as cabeças-de-frade estendidas
sobre as pedras criariam "a imagem singular de cabeças decepadas e
sanguinolentas jogadas por ali, a esmo, numa desordem trágica". Para
sustentar a profecia de Conselheiro, segundo a qual o sertão viraria mar,
apóia teorias controversas sobre a existência pré-histórica de mar na
região de Canudos. A propósito da passagem "em 1896 há de rebanhos mil
correr da praia para o sertão; então o sertão virará praia e a praia
virará sertão", Roberto Ventura sublinha que, designando zonas úmidas
entre o litoral e o semi-árido, "praia" simboliza uma "terra de promissão,
capaz de abrir as portas do paraíso".
O Homem Estudo do sertanejo ou, em suas palavras, dos "traços mais
expressivos das sub-raças sertanejas", tributário que era de teorias
deterministas da época. Euclides afirmava que os sertanejos estavam
destinados ao desaparecimento ante as exigências da civilização:
"Retardatários hoje, amanhã se extinguirão de todo". Tendo por base
concepções racistas de teóricos como o austríaco Ludwig Gumplowicz,
Euclides apresentava uma visão fatalista do Brasil como resultado dos
malefícios da mestiçagem. Os "mulatos" do litoral seriam desequilibrados
por resultarem da mistura entre brancos e negros, e os "curibocas" do
sertão apresentariam vantagem em relação àqueles devido ao isolamento
histórico que contribuiria em sua evolução racial e cultural: "O sertanejo
é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços
neurastênicos do litoral".
A Luta Narrativa da guerra de Canudos propriamente dita, em que o
autor evidencia o fanatismo de ambas as partes: "A luta pela República, e
contra os seus imaginários inimigos, era uma cruzada". Os soldados
cultuavam a memória do marechal Floriano Peixoto assim como os jagunços
aclamavam Antônio Conselheiro. Euclides observava tudo do alto do morro,
ao lado dos oficias do alto comando e da comissão de engenharia:
"Aplaudia-se. Pateava-se. Estrugiam bravos. A cena -real, concreta,
iniludível- aparecia-lhes aos olhos como se fora uma ficção estupenda,
naquele palco revolto, no resplendor sinistro de uma gambiarra de
incêndios". A descrição da guerra encerra um paradoxo: o de, apesar de
pretender-se denúncia do crime cometido em Canudos, não relata o massacre
dos prisioneiros e a destruição da cidade, que seriam o mote principal de
sua acusação contra as Forças Armadas. O autor argumenta tratar-se do
inenarrável: "Forremo-nos à tarefa de descrever os seus últimos momentos.
Nem poderíamos fazê-lo. Esta página, imaginamo-la sempre profundamente
emocionante e trágica; mas cerramo-la vacilante e sem brilhos".
Fonte: "Folha Explica "Os Sertões'" (2002,
Publifolha), de Roberto Ventura.
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